A terceira equipa é a garantia da união no futebol português
Por um futebol mais unido, mesmo que pelos meios menos ortodoxos.
O apito soa e os insultos saem disparados das gargantas para o campo. As cornetas ecoam e, do mais novo ao mais velho, todos gritam, todos reclamam, estejam de azul, vermelho ou verde, estejam felizes ou tristes no momento que precede este, todos agitam os braços, todos fazem aquele típico gesto com a mão que quer dizer, em linguagem popular “estás me a gamar cabrão”, todos fazem piretes ou todos batem palmas ironicamente, todos olham para o mesmo homem no campo, todos lhe insultam a mãe e a avó, o pai e os filhos, a mulher ou o marido, todos ficam vermelhos como a cor da sua camisola ou da cor da camisola do rival. Todos se excedem porque, no fim do dia, somos sempre roubados.
A arte de ser árbitro é curiosa. Se um árbitro for mau, insultam-no por isso. Porque roubou a equipa A ou a B, não viu a falta para cartão ou esqueceu-se de dar a lei da vantagem. Há gritos e insultos que, para muito boa gente, se justificam: “Então, mas já se sabe como é que é o ambiente no futebol e nos estádios…ele pôs-se a jeito…enfim, é o que é”.
O curioso, para além da normalidade do insulto, é o facto de que, sendo realista, a qualidade do árbitro não está relacionada diretamente com o número de insultos que recebe em campo. Ora imaginemos o seguinte cenário: última jornada em casa de um dos 3 grandes e vantagem de 1-0 para a equipa da casa. Só a vitória dá o título. No último minuto um defesa da equipa que vai vencendo faz um carrinho sobre o adversário na área, fazendo falta. É dado penálti para os visitantes. Imaginem-se na Luz, no Dragão ou em Alvalade. Imaginem o vosso redor. Quantas das pessoas à vossa volta vão começar a atirar um número incalculável de insultos ao árbitro que apenas fez, e bem, o seu trabalho. Será que ser bom árbitro compensa? Os insultos surgem na mesma, a diferença é que são injustos. Digo até que, se fosse árbitro, ia estando atento ao burburinho das bancadas e, a partir dos 70 minutos, a equipa cujos adeptos me teriam insultado mais até aí ia começar a ser penalizada. “Ah estiveram a insultar o meu cão porque assinalei um fora-de-jogo a um jogador vosso que estava 5 metros para lá do último defesa? Então olhem eu a dar um amarelo aqui ao vosso central que fez um corte limpo.” – isto com o VAR é mais complicado de se ser trafulha e roubar penáltis. Impossível não é. Mas é mais complicado.
Neste domingo, na final que colocou Porto e Sporting frente-a-frente a disputar a Taça de Portugal, assisti a um momento que, de tão triste que é, chegou a ser cómico. No fim do jogo, Fábio Veríssimo e a sua equipa subiram para receber as suas medalhas pela arbitragem do jogo. No momento em que sobe pela bancada, a imagem bíblica de Moisés a abrir o mar ao meio para criar uma passagem veio-me à memória. A polícia separava o mar de adeptos: numa margem os azuis, na outra, uma mistura de sportinguistas e portistas. Eu, localizado um pouco acima desta zona, vejo Fábio Veríssimo, tal Moisés, a caminha entre o mar dividido e crispado à sua volta. Cada lado parecia ser uma onda prestes a rebentar sobre a cabeça do árbitro e da sua equipa. De ambos os lados deste mar, em coro desordenado, gritos e insultos e gesticulares apareceram com naturalidade. “Ladrão”, “corrupto” e “filho da mãe” foram as palavras mais simpáticas que se disseram nos segundos que a equipa de arbitragem demorou a subir até à tribuna para receber as suas medalhas. Os adeptos felizes, os tristes, os que ganharam, os que perderam, os que iam celebrar na longa ida para casa e os que se iam lamentar até ao acordar do dia seguinte, todos em conjunto uniram-se por um momento. É curioso. Durante uns segundos, não deu para perceber quem era portista ou sportinguista. Se eu não soubesse, não perceberia que franja havia ganho e qual havia perdido. Muitas vezes se reclama e se diz que nos jogos grandes há confusões e que adeptos de clubes diferentes não podem ir juntos para o estádio. Pede-se bom senso e comunhão com os valores do futebol. Pede-se rivalidade, mas com moderação. E aqui está ela. Esta é a comunhão possível no futebol português. Jamor, no domingo, quase lacrimejei quando vi adeptos rivais unidos por uma causa comum. É bom ver esta união no futebol português.
O “É um café e um jornal” é uma crónica semanal 78. As crónicas “café” são mais curtas, rápidas, possivelmente, mas não necessariamente, sobre algo mais atual. As crónicas “jornal” exploram mais a fundo um qualquer tema. Nem sempre será café, nem sempre será jornal. Boa leitura.