Águia de asas ao peito
14 anos depois, dragões jogaram por honra e águias caíram a pique num descalabro que já tem história
No dragão o descalabro foi total. Depois de uma derrota a meio da semana com um futebol paupérrimo, o Benfica de Schmidt voltou a (não) aparecer em campo. Vejamos o que falhou. Falamos disto tudo, no É um café e o jornal, desta semana.
Dragão em ponto rebuçado
O Porto chegou ao início de março com o título a uma distância frustrante. Tal deveu-se ao facto de Conceição ter demorado meia época a perceber o onze que mais beneficiaria a equipa dos dragões. A titularidade de Wendell sempre foi uma obrigação (quando a comparação é Zaidu), Nico é um maestro de meio campo, um pensante e um temporizador como não há mais nenhum no plantel, Alan Varela joga de cadeirinha, de costas para o adversário e com uma capacidade superlativa nas primeiras fases de construção. Chico é um predistinado - a qualidade que tem, a técnica, a capacidade de criar dúvida e incerteza no adversário, a qualidade na decisão e em cada ato - fazem de Chico Conceição titular obrigatório nos dragões. Para somar a estes, Galeno está em forma - embora continue a pecar na decisão - Pepê é inconstante - em forma é um acima da média, perfeito para jogar entrelinhas e Otávio é um central que vai reunindo exibições de alto nível frente a equipas altamente exigentes - tem qualidade na criação, calma, capacidade de colocar bolas longas a partir de trás e no quesito da defesa tem sido por demais.
Para o clássico, o Benfica vinha de um ciclo difícil. Umas exibições convincentes, outras nem tanto e jogos apagados - Toulouse e Sporting à cabeça. Schmidt tem esticado a corda naquilo que é a gestão do plantel, a “falta de futebol” de um plantel tão rico e a ausência de respostas e a sobranceria do alemão quando encarado com a difícil realidade que vai vivendo na luz. Roger já riscou Ristic e Jurasek, nas laterais, opta por jogadores que não o são, deixando Bernat fora das contas e usando Aursens e Morato rotineiramente, coloca Kokcu longe da sua zona preferencial de ação, vive na dúvida sobre quem colocar na frente…enfim, o alemão vive na incerteza e na dúvida que, perante adeptos tão exigentes, se torna impossível de justificar.
Antes da farsa, a tragédia
“A história repete-se. Primeiro como tragédia, depois como farsa.” Esta frase poderia muito bem descrever o que se viveu no dragão e sobre o que se viveu há 14 anos quando, também neste palco, o resultado foi exatamente o mesmos.
Os onzes saíram e as questões voltaram: porquê Tengsted para um jogo em que, para superar a alta pressão do Porto, muitas bolas seriam bombeadas na frente? Porquê apostar num central lento e mau de rins para lidar com o maior desequilibrador do FCPorto? Porquê manter João Mário, estando este a passar por uma épica altamente inconstante e insatisfatória? Mas que seja, o jogo ainda era uma miragem e só jogando se saberia o resultado.
“11 para 11 levas 5 ou 6”
Curiosidade ou não, Conceição disse-o a Carlos Carvalhal, após um 1-1 na Pedreira, nunca imaginando que a sua profecia se cumpriria frente ao maior rival dos dragões.
A verdade é que, embora em fase ascendente, parecia utópico acreditar que o Porto goleasse o Benfica, ainda para mais por 5 bolas a 0. Os sinais para um descalabro estavam lá, mas apenas do lado dos encarnados: Porto tinha vindo a encontrar o seu melhor onze, o Benfica tem sido inconstante e tem tido dificuldade em definir o modelo que melhor combina com os talentos que tem e Schmidt anda a viver o seu momento de maior contestação na Luz. Mas ninguém poderia dizer que chegaria a tanto
O jogo começou de forma pouco surpreendente: o Porto entrou a pressionar em bloco alto, notando dificuldades na defesa do Benfica em construir um jogo com princípio, meio e fim. Os de Lisboa, procuraram usar um processo que o Porto normalmente usa: esperar pela pressão adversária e, ou jogar nos médios que se mostram atrás da primeira linha de pressão ou lançar na frente ou num elemento mais avançado do campo, entrelinhas - Evanilson ou Pepê, respetivamente. Para contrariar a primeira hipótese, a pressão em bloco alto do Porto foi sempre muito eficaz e para infelicidade do Benfica, Trubin teve um dia não, incapaz de superar a pressão à base do passe longo e deixando deficiente a solução do Benfica para lidar com a altíssima pressão e intensidade do adversário. Para além disto, ter Tengsted na frente para lidar com Otávio e Pepe, num jogo em que o Benfica seria tão dependente de bolas longas e de duelos aéreos mostrou-se uma ideia sem pés nem cabeça - o jogador associativo falhou todos os 4 passes que tentou fazer no jogo.
A nível de construção, a estratégia do Porto foi simples: Otávio, Pepe e Diogo Costa esperavam a pressão, aproveitando a fraca capacidade de pressão de Tengsted e Rafa, para jogar nas costas de ambos, contando com Nico e Varela (o segundo, por várias vezes recuando para a posição de pivô) para iniciar a construção depois de superar a primeira linha de pressão - com o meio campo repleto de espaços, ou lançando diretamente na frente para disputar a segunda bola e partido de uma zona mais avançada do terreno.
Nas zonas de decisão e a exigir criatividade o Porto esmerou-se. Num lado, Chico Conceição fez o que quis de um Morato lento, apagado e cedo amarelado, desequilibrando sempre que tinha oportunidade. Do outro, Galeno e Wendell exploravam a ausência de Di Maria do processo defensivo para, ao colocarem-se um por dentro e outro encostado à linha, provocarem situações de vantagem numérica contra Aursens: veja-se o terceiro golo, por exemplo, em que Aursens deixa Galeno sozinho na ala e defende o meio, devido à ameaça de Wendell.
O resto, veio em catadupa. O processo não se alterou, de parte a parte, e continuamos a ver o Porto jogar uma partida que nunca foi, verdadeiramente, disputada. O golo antes do intervalo pareceu dar uma machadada que só na segunda parte se consumaria a 100%.
Algumas notas gerais: António Silva e Otamendi decidiram mal e tiveram exibições desastrosas. Tó Silva mostrou-se passivo em vários lances, sendo responsável direto no 2-0. Trubin também esteve em mau plano. Sai mal no 1-0 e no 4-0 não ofereceu resistência a um remate feito ao primeiro poste. Na construção esteve terrível (em 17 passes longos, só 6 tiveram destino certeiro). João Mário esteve apagado (algo rotineiro, esta época) e Morato esteve ao nível medíocre da equipa. Destaque para a entrada de Arthur Cabral, mais possante e com alguns momentos de interesse, mesmo assim. Mostrou que seria a escolha acertada para jogar a titular. Destacar também a partida algo escondida pela sombra que a equipa fez mas, como sempre, incansável de João Neves. Um jogador que merece voos muito altos e que continua a mostrar uma capacidade e combatividade fora do normal na disputa de bolas pelo campo fora.
Do lado do Porto, os destaques positivos são muitos. Focando apenas dos melhores dos melhores, falo de Chico, para mim, o melhor em campo com um jogo de sonho. Fazer notar o jogo de Galeno (de pé quente e inspirado) e o de Nico, autêntico champanhe no meio campo portista. O 4-0 é fruto da sua capacidade de temporização e habilidade em colocar a bola nas costas de Carreras. O destaque final vai para Otávio. Grande jogo do central, sem ceder nos duelos e com uma habilidade tremenda para a construção.
Os golos
1-0
2-0
3-0
4-0
5-0
“A top top team, playing top top football”
A “top top team” de Schmidt caiu e fez ruído. O treinador das águias, não raramente, foge ao incómodo de falar dos seus maus momentos, fazendo menção ao resultado final, ao árbitro ou ao jogador que simula um penalti que o VAR reverteu. Desta vez, o alemão não tinha barreira para as críticas. A arbitragem não foi polémica, nenhum jogador do Porto simulou um pênalti revertido e inconsequente e, acima de tudo, o resultado não foi positivo. Pois enquanto os resultados ficam e as exibições vão sendo esquecidas, Schmidt podia apelar a alguma calma pois os resultados não têm sido catastróficos (até agora). No entanto, depois de um 5-0 frente ao grande rival, não sobram dúvidas (todas por responder) sobre as falhas que o técnico alemão cometeu. Na conferência, ainda disse que não pedia desculpa pois não fez de propósito para que este jogo terminasse assim - comentar para quê.
Mais que um responsável pela má exibição deste jogo, Schmidt é a cara de um Benfica milionário que não joga, não melhora e escamoteia exibições mal conseguidas em resultados enganadores. Atenção, o segundo lugar é mais do que merecido, mas não raras vezes se viu o treinador do Benfica ignorar problemas estruturais da equipa, escondendo-se atrás de resultados que não eram justificados pelas exibições. Perante isto, parece difícil imaginar um futuro que mantenha Roger e o Benfica juntos.
Foguetes e paixão
Por fim, venho felicitar os adeptos do Benfica, incansáveis no pior momento do jogo. Com 3, 4 ou 5 golos sofridos, os adeptos que vieram, muitos deles, de Lisboa, fizeram barulho e sofreram por um conjunto de equipa, equipa técnica e direção que não merece tanto apoio como o que sentiu.
Para os adeptos do Porto, que aos 57 minutos lançaram foguetes fora do estádio: menos bazófia, por favor. Estamos a 6 pontos da Champions e estão-se a lançar foguetes…joga-se o Porto assim o ano inteiro e os foguetes eram lançados em maio.
O “É um café e um jornal” é uma crónica semanal 78. As crónicas “café” são mais curtas, rápidas, possivelmente, mas não necessariamente, sobre algo mais atual. As crónicas “jornal” exploram mais a fundo um qualquer tema. Nem sempre será café, nem sempre será jornal. O objetivo é pedir, pelo menos, um jornal por mês, e nas restantes semanas, servir cafés. Boa leitura.