De Éder a Abel Xavier: o melhor e o pior da fase de grupos do EURO 2024
Um olhar sobre a fase de grupos antes do início dos oitavos
A derrota de Portugal diante da Geórgia ditou o fim da fase de grupos deste Campeonato da Europa.
Desde o perfume de Musiala até aos 7 autogolos, muitos foram os momentos marcantes das últimas semanas.
Desilusões
Podemos colocar Portugal aqui?
Só não entra porque houve piores.
Escócia - Um golo marcado (graças ao desvio), um total de 0.9xG nos três jogos em que participaram, cinco golos sofridos apenas no jogo de abertura do torneio, e aquele momento frente aos húngaros…que também ficaram pelo caminho. Valeu apenas pelos adeptos escoceses. No Scotland. no party? No Scotland nos oitavos.
Polónia – Eliminados antes do último jogo do grupo. Talvez ainda sofrem de síndrome Fernando Santos.
Chéquia – Zzzzzzzzzzz. Desculpem lá malta, adormeci até a escrever isto.
Inglaterra – A única coisa coming home é o Phil Foden…por agora… (Que esteja tudo bem com a sua filha)
E agora os ‘destaques’:
Croácia – A Croácia dos Mundiais não é a Croácia dos Europeus e a Croácia de 2024 não é a Croácia de 2024. Faltou muitas vezes uma referência ofensiva como talismã (Ante Budimir superior ao Andrej Kramarić e Bruno Petković), um toque criativo (Lovro Majer e a dependência excessiva natural em Luka Modrić sendo as exceções), e sem querer ser etarista, pernas.
A era de Marcelo Brozović, Mateo Kovačić e Luka Modrić chegou ao fim. Sentiu-se a falta de competência em perfurar blocos adversários com um jogo demasiado centrado e lento, sem movimentos de ruptura ou desequilíbrios pelos flancos, uma vez que Ivan Perišić não é o que era fisicamente.
Ele merecia melhor. Agora é focar na nova era de Luka Sučić e Lovro Majer.
Itália – Não foi bonito.
Começaram por sofrer o golo mais rápido da história da competição. Recuperaram sem grandes dificuldades, mas fizeram sempre as coisas de forma difícil na missão de defender o título.
Depois levaram um baile dos espanhois, antes das dificuldades com os croatas – apenas asseguraram o segundo lugar no último minuto graças ao remate de Mattia Zaccagni.
Pouco criativos sem um jogador produtivo garantido na linha ofensiva (pelo menos ainda não mostraram na seleção) e algo tímidos – sem a presença de grandes figuras como Giorgio Chiellini no balneário, será que estão a sentir o peso da missão?
E todas as seleções do Grupo C…
O pior grupo na história da competição. Apenas uma vitória em seis jogos, o primeiro jogo, que acabou 1-0. O jogo com mais golos? Inglaterra 1-1 Dinamarca. O melhor momento sendo o golo de Morten Hjulmand, sem dúvidas nem clubismos.
Futebol tão pobre que decidiu-se o segundo lugar com…um amarelo do treinador assistente da Dinamarca.
Para esquecer.
Lukaku - Depois de uma fase de grupos dececionante da Bélgica (tanto pelo futebol, como pelos resultados) é inevitável não apontar Lukaku como uma das maiores desilusões do torneio até agora.
Lukaku tem tido performances bizarras. 3 golos anulados e mais meia dúzia de chances falhadas só com o guarda-redes pela frente, tornam-no num “matador sem balas”. Homem de área, com nariz para o golo, o belga é uma sombra do que já foi, sendo um dos responsáveis pela falta de eficácia da sua seleção neste Euro. Frente à Eslováquia falhou um par de oportunidades exuberantes. Contra a Ucrânia foi incapaz de finalizar um passe magnífico de De Bruyne. O Lukaku do mundial de 2022, em modo meltdown, está de volta. E isso não é bom.
Surpresas
Suíça - Ao segundo dia de competição, a Suíça deu uma aula tática à Hungria.
Duah marca apenas na segunda internacionalização, com Aebischer a ser o homem do jogo, após um golaço, e uma exibição ainda melhor. Embolo fechou as contas para o 3-1. Murat Yakin montou uma seleção com toque de autor, muito focada na construção a partir de trás, com trocas posicionais principalmente pelo lado esquerdo do ataque, trabalhando muito para as ruturas dos avançados suíços, contra uma defesa muito lenta da Hungria, juntando-se um meio-campo que pouca pressão conseguiu executar.
Um futebol especial.
Roménia - A outra surpresa é a Roménia. Um futebol muito mais simples de descrever. Defender bem, atacar melhor. No fundo, o futebol é isto. A vitória por 3-0 frente à (teoricamente) superior Ucrânia fez as atenções virarem-se para o futebol de Edward Iordanescu.
A defesa romena caracteriza-se pela “agressividade”, reduzindo qualquer espaço que o adversário tem para jogar, enquanto a frente atacante, liderado por Stanciu e Dennis Man, procura o remate sempre que possível, explorando ao máximo os contra-ataques. Foi esta a “simples” receita usada para levar de vencida a Ucrânia.
O erro de Lunin facilitou a tarefa, mas dois remates de longa distância deram os primeiros dois golos, enquanto o 3-0 chegou através de Denis Dragus, coroando uma excelente exibição. É uma abordagem que não resultará em todos os jogos, mas certamente criou expectativas.
Áustria - O futebol é feito de surpresas, sejam elas boas ou más. Este europeu teve também surpresas, boas e más. Uma dessas boas surpresas é a Áustria, de um tal inventor, denominado de Ralf Rangnick, o pai do “Gegenpress”, o treinador que fracassou no Manchester United, construiu um modelo para a nova escola de treinadores alemães, e recusou recentemente treinar o Bayern Munique.
Chegou à Alemanha como selecionador austríaco, e com ideias muito bem definidas. Um modelo de futebol objetivo e direto, coeso defensivamente, pressionando alto, com uma reação à perda eximia, eletrificando toda a equipa. Este é o modelo “Red Bull”, o modelo Ralf Rangnick. O técnico construiu uma seleção de autor, onde a falta de individualidades criou uma coletividade, com base em pilares da equipa, como Marcel Sabitzer, Marko Arnautovic ou até Konrad Laimer. É difícil exemplificar o talento individual, quando o que sobressai é a qualidade com que todas as peças combinam entre si, como uma mistura de sabores num daqueles restaurantes requintados.
O empate frente à França deixou água na boca, um auto-golo deu por derrotada a Áustria, mas ficou a perceção que o resultado poderia ter sido diferente. A vitória (mais que) convincente sobre a Polónia deixou em aberto o caminho rumo aos oitavos, restava saber através de que via. E no último jogo, numa demonstração clara de superioridade coletiva sobre uma laranja enferrujada, a recusa de Ralf Rangnick perante o Bayern Munique fez todo o sentido. Uma vitória por 3-2, que poderia ter sido engordada, levou a Áustria para o caminho dos oitavos, com uma medalha de ouro no grupo. Segue-se agora a Turquia, mas o certo é que com apenas Itália e Inglaterra como favoritos no seu caminho até à final de Berlim, esta seleção pode sonhar com algo histórico.
Mikautadze - Tem sido o destaque improvável desta Geórgia estreante em palcos europeus. Quando se previa um Kvaratskhelia mais preponderante, o avançado do Metz surgiu para vestir a capa de herói e fazer 3 golos e 1 assistência na fase de grupos.
O georgiano lidera a lista de melhores marcadores deste Campeonato da Europa à frente de Jamal Musiala (2), Kylian Mbappé (1) e Harry Kane (1).
Num torneio repleto de estrelas, algumas até possíveis candidatas a vencer a Bola de Ouro, havia a necessidade de um destaque mais inesperado. Toda a gente gosta de ler sobre a história do underdog que vingou e Mikautadze dá-nos exatamente isso, sendo quase impossível não torcer pelo seu sucesso.
Num país que atravessa um período de incerteza política, fazia falta existir uma figura como esta. Neste caso, o futebol pode ser usado para a consciencialização de um problema, ao invés de ser uma forma de alieanação do mesmo. A página dourada que Mikautadze está a ajudar a escrever apenas serve para virar as atenções para a causa que, tanto ele como os demais colegas, têm defendido - irem contra um Governo que quer limitar a liberdade de expressão, declarando como “inimigo do Estado” todo e qualquer um que se insurja contra si.
Calafiori - Para os que sentiam falta da estética italiana do início dos anos 2000, aqui têm um central para vos encher as medidas.
Não deixem que o fatídico autogolo no jogo contra Espanha vos impeça de apreciar a qualidade deste central do Bolonha.
MVP
Jamal Musiala - Este é o torneio dos jovens talentosos. Já houve contribuições diretas para golo de Florian Wirtz, Lamine Yamal, Jude Bellingham, Arda Güler e Francisco Conceição, mas é impossível não destacar aquele que criou uma dupla temível com o primeiro, Jamal Musiala.
Um dos melhores do mundo em curtos espaços e no 1x1. Se tiver (pouco) espaço para receber, é temer pelos danos causados. Entre Wirtz, Havertz e o próprio Musiala, uma linha defensiva adversária mal sabe como lidar com a fluidez deste ataque.
O potencial dos movimentos e passes de ruptura, as combinações entrelinhas para arrastar e confundir um bloco organizado…viu-se no primeiro jogo contra a Escócia que é para acompanhar a equipa da casa, e este belo jogador: 1 golo marcado (entretanto, houve mais 1). Nove duelos ganhos. 5 dribles eficazes. Parecia que provocou e sacou dezenas de faltas. Zero passes falhados.
Claro que ficamos todos de pé a aplaudir. Não é um criativo qualquer. Potencialmente figura do torneio.
Giorgi Mamardashvili - É, seguramente, um dos nomes mais sonantes deste Euro e o significado de parede, em georgiano, tem o seu nome. Se já tinha chamado a atenção ao serviço do Valência CF, devido às suas exibições na La Liga, depois deste torneio vai, de certeza, agitar o mercado de transferências. Aos 23 anos, é um gigante de 1,97m com uma velocidade e agilidade capazes de decidir jogos, ao nível dos melhores do mundo. Tem sido fundamental em todos os jogos da sua seleção, em especial na vitória frente a Portugal, em que a Geórgia garantiu a sua primeira passagem aos oitavos de final de um Campeonato da Europa. Negou o golo português cinco vezes e lidera o “Europeu dos guarda-redes” com 21 defesas em três jogos.
Com o ritmo que tem apresentado, vai ser um dos melhores do torneio e vai deixar todos os amantes de futebol com o seu nome na ponta da língua.
Fabián Ruiz - Qualquer equipa é mais equipa se tiver este jogador no seu meio campo. Tem 28 anos, é jogador do PSG e é a figura central da Seleção espanhola. Tem-se revelado, jogo após jogo, como um dos jogadores mais competentes da competição e é, de longe, um dos melhores do Euro, até ao momento. É um médio completo e tem sido bastante importante nos jogos de Espanha, principalmente na forma como consegue ligar, construir e desequilibrar o jogo. A pressão espanhola que impede o adversário de avançar no terreno, privilegia o excelente trabalho que faz sem bola. Tem uma inteligência fora do comum e, como se isso não fosse suficientemente importante, é dotado de uma ótima técnica.
Prevê-se que continue a ser uma peça-chave na equipa, principalmente, agora, no mata-mata.
Seria mais fácil traduzir e explicar tudo isto com estatísticas, mas o melhor mesmo é assistir às exibições desta estrela espanhola.
Golo do Éder
Três palavrinhas que tanto significam para nós, não é? Foi, sem dúvidas, o melhor momento de sempre, então nada mais justo do que ser esta a referência que temos para os melhores momentos deste Euro 2024.
Golo de Eriksen - Em 2009, Alexander Rybak conquistou o Eurovisão ao cantar a sua “Fairytale” e, este ano, foi o Christian Eriksen quem apresentou um autêntico conto de fadas capaz de apaixonar a qualquer um: no seu jogo de regresso a Campeonatos da Europa, 1100 dias (três anos) após ter colapsado no relvado (ficando sem pulsação por cinco minutos) na abertura do Euro 2021, Eriksen era já o homem da noite. Como se a história de recuperação não fosse incrível por si só, quis o destino que o regresso fosse coroado com o golo dinamarquês a ser anotado justamente por Eriksen, fazendo desta uma história de filme e que ficará para a história da competição.
Arda Güler - Dias mais tarde, foi a vez da seleção turca garantir o lugar dela nessa secção com o seu jogo frente à Geórgia: neste que foi um jogo de loucos, a Turquia vence por 3-1 não só com um, mas com dois autênticos golaços: para fazer o 1-0, o defesa Mert Müldür acertou um míssil de primeira e no ângulo em resposta a uma bola afastada pela defesa georgiana; Arda Güler, por sua vez, voltou a fazer das suas ao acertar um lindo remate de fora da área (mais um neste Euro repleto de golos à distância) para fazer o 2-1 que garantiria a vitória aos turcos; dois golos que são sérios candidatos a melhor golo do torneio e que contribuíram também para fazer deste confronto entre as das rivais de Portugal um verdadeiro espetáculo, merecendo também o devido destaque.
Roménia e Eslováquia - Meus amigos, quando introduzimos esta rubrica, quisemos deixar claro que não se tratava de grandes golos em si, e sim grandes momentos que marcassem esta edição do Euro da mesma forma que o lendário golo do Éder o fez. Não são as seleções mais tradicionais do continente, e, quando olhamos para um grupo com a Ucrânia (que vem de 4 participações consecutivas e que em 2020 foi aos “Quartos”) e Bélgica (finalista em 1980 e figura “regular” nas eliminatórias), as duas seleções eram as candidatas a eliminação. Quis o destino que as duas se enfrentassem na última jornada, podendo sentenciar a eliminação de uma delas. Porém, os golos de Duda e Marin neste 1-1 foram cruciais para não só conseguirem, ambas, a classificação, mas também com a Roménia a ocupar o 1.º lugar deste grupo que foi o mais equilibrado do Euro. Temos, assim, um jogo que marcou duas histórias para recordar por um bom tempo.
Geórgia - A Geórgia, por sua vez, é a grande história desta edição. Estreante em Campeonatos da Europa, apanha um grupo dificílimo... Apesar de ter disputado jogos interessantes com Turquia e Chéquia, a verdade é que a Geórgia chegava à última jornada a precisar ganhar. Uma seleção estreante, que nunca havia vencido em Euros, a ter como missão ganhar Portugal, um dos favoritos ao título. Parece impossível, não é? Mas a verdade é que os georgianos o fizeram, e fizeram bem: 2-0, grande resultado que valeu o apuramento inédito e com direito a contar ainda com o melhor marcador desta edição do Euro: Mikautadze. Se disputar um Europeu como nação independente era já um sonho realizado pelos Georgianos, o que dizer com tudo o que tem acontecido? Agora, com mais um desafio “impossível” frente a Espanha, resta ver até onde irá o sonho de uma Geórgia que veio sem nada a perder, mas com tudo a sonhar.
Shaqiri - Por fim, para não falarmos apenas de histórias emocionantes das seleções, queremos ressaltar, também, um fenómeno. Mais especificamente, aquele fenómeno que, parecido com o “Cometa Ochoa” (que a cada 4 anos surge para proteger a baliza do México em Mundiais), encanta o Mundo de 2 em 2 anos, quer seja em Campeonatos do Mundo ou da Europa: o fenómeno chamado “golaço do Xherdan Shaqiri”. Não importa onde, nem quando - Se houver uma grande competição com a Suíça, ele estará lá. Marcou sua presença em 2014, ‘16, ‘18, ‘20, ‘22 e voltou a fazer das suas em 2024, com um balázio de esquerda para marcar frente à Escócia. Já lá vão seis grandes competições seguidas a marcar, o que faz deste mais um momento a destacar nesta fase de grupo do Euro 2024.
Mão de Abel Xavier
Os momentos que eram… evitáveis.
Autogolos - Enquanto discutíamos que momentos encaixariam nesta categoria, apercebemo-nos que todos iam dar à mesma coisa: a quantidade excessiva de autogolos.Para termos ideia do absurdo que isto se tornou, se os autogolos fossem um jogador, seriam o melhor marcador da competição, com 7 golos no total (são mais do que os fora de jogo de Lukaku). Esta é uma nódoa que nem o melhor detergente para a roupa consegue remover.
Apesar de o número ser elevado, ainda não ultrapassou o do Euro 2020. Há 3 anos, foram marcados 11 autogolos.
O primeiro desta edição surgiu pelo pé de Rudiger. O central alemão foi um dos melhores defesas da UEFA Champions League, a par de Mats Hummels, e iniciou este Campeonato da Europa com uma prestação convincente frente à Escócia. No entanto, um autogolo acabou por tirá-lo da luz dos holofotes.
Para nós, portugueses, não há ainda como esquecer o autogolo de S. Akayadin no Turquia x Portugal. Um passe errático de João Cancelo, deixando Ronaldo evidentemente frustrado, levou a um momento ainda mais errático do jogador turco, que colocou a bola dentro das redes do guarda-redes da sua equipa. Estava feito o 2-0 para a seleção das quinas. Naquele que era o jogo que mais dúvidas deixava a pairar no ar, acabou por se tornar no teste mais fácil para a turma de Roberto Martínez.
Quantos mais autogolos serão marcados até 14 de julho? Façam já as vossas apostas.
João Pinto, Kevin Fernandes, Lucas Lemos, Mafalda Costa, Matilde Pinhol e Pedro Brites