No início deste mês (fevereiro), várias claques anunciaram um protesto contra a nova lei de pirotecnia, que pune com pena de prisão quem utilize esses objetos.
No comunicado da Associação Portuguesa de Defesa do Adepto (APDA) podia ler-se: "Dezenas de grupos de adeptos, afetos a vários clubes, estão a organizar uma iniciativa conjunta para este fim de semana. Será um protesto onde permanecerão em silêncio até ao minuto 12. Este será um gesto simbólico que tem por objetivo mostrar oposição a mais um ataque discriminatório que está a ser preparado pelo governo contra todos nós, através de mais uma alteração legislativa e, também, para reafirmar a importância do movimento de apoio, associativo e popular nas nossas bancadas. "É importante sublinhar alguns dos pontos que nos empurram para esta posição. Somos contra a higienização que estão a levar a cabo nas nossas bancadas, tratando o futebol como se fosse, única e simplesmente, uma indústria de entretenimento para os seus clientes. Só que nós não somos clientes, o nosso amor não se vende e muito menos se compra. Somos contra a discriminação e a forma desproporcional como os adeptos são tratados pelas diversas entidades, sejam elas judiciais, políticas ou desportivas. Somos contra a forma gratuita como os cidadãos perdem direitos e garantias só por estarem num recinto desportivo. Assim, exigimos respeito pelos adeptos e por todas as suas formas de expressão. Sendo certo que o nosso coração estará sempre como os nossos clubes mas nesses 12 minutos, a ‘bandeira’ que será erguida é a de todos os adeptos. Assim, apelamos a todos os adeptos, independentemente das cores, para participarem nesta iniciativa e nos ajudem a lutar pelo futuro das nossas bancadas. Liberdade para os adeptos!".
No dia 4 de fevereiro, estive presente no estádio da luz, num Benfica x Casa Pia, onde pude testemunhar este protesto ao vivo num dos estádios em que o mesmo teve lugar. O estádio da Luz encontrava-se quase cheio, com uma lotação de 58.763 benfiquistas, no entanto, pareceu vazio durante quase toda a primeira parte. Dizer que a diferença de ambiente no estádio é gritante, na ausência de apoio por parte dos grupos de adeptos do clube, é dizer muito, mas muito pouco. No meio de algumas palmas e gritos, foi o silêncio perturbador das bancadas, que se apoderou do estádio nessa primeira parte do jogo e me fez voltar a refletir sobre o quanto as claques são essenciais na missão de preservar a magia e emoção tão únicas neste desporto que é o futebol.
Quando algo de especial ou inesperado acontece num jogo de futebol, seja nos primeiros ou últimos minutos de jogo, a frase por nós utilizada para o explicar é quase sempre a mesma: “É futebol...”, no meio daquele sorriso de quem está estupidamente apaixonado. E a verdade é que essa frase, por todos nós já utilizada, diz muito sobre este desporto que tanto amamos. Apesar das táticas, treinadores, jogadores, jogadas, individualidades e estratégias, que muito contam para o desfecho de um jogo, não podemos descurar o facto de este ser também um desporto irracional, de acaso, de magia e emoção, como muitos outros não são. E é nesta parte menos “controlável”, que faz do futebol tão especial, em que entram as claques e adeptos, acompanhados da influência que podem ter no resultado de qualquer jogo de futebol em qualquer estádio deste mundo. Sim, as bancadas influenciam equipas, mudam mentalidades e ganham jogos, mais vezes do que as que possamos imaginar. E quem é que, jogo após jogo, está presente, seja em casa ou fora dela, a tentar contagiar bancadas e apoiar as equipas? Acho que já sabem a resposta.
Será que este discurso de ódio contra as claques, existente há décadas, se aplica verdadeiramente na íntegra? Não existe aqui mesquinhez vinda de dirigentes e governantes que não se comprometem a solucionar problemas, resolvendo ser mais fácil culpar sempre os mesmos?
Sim, existem problemas dentro das claques, mas daí vai uma grande diferença até se dizer que as claques são o problema. Não o são. Pelo contrário. Cada claque ou grupo de adeptos organizado é composta(o) por seres humanos e, logo nesse simples facto, temos presente o nosso primeiro problema, de quem empresas de trabalho, governos, países e até famílias são vítimas. Como em tudo na vida, existem pessoas boas e más, com fins justos e injustos, e as claques não constituem exceção a essa regra. O que me parece é que se insiste em recorrer a generalizações perigosas e injustas no caso das mesmas que em nada são úteis para a resolução dos verdadeiros problemas que nas claques existem, tais como a violência. Sentida a necessidade de voltar a referir que o facto de existir violência nas claques, não significa que elas num todo sejam violentas ou sejam compostas por pessoas com esses fins. O objetivo de uma claque é apenas juntar adeptos apaixonados por um clube que querem demonstrar o seu amor pelo clube, cantando e apoiando a equipa durante todo o jogo, fazendo com que ela chegue à vitória. Onde é que está o problema aqui? Eu não o vejo.
Além de todo o discurso de ódio e medidas ridículas tomadas contra os adeptos ao longo destes anos, recentemente chegou uma nova: a lei que pune com pena de prisão o uso de pirotecnia.
Portugal é mal governado, a todos os níveis, há anos. Quando se falam em países europeus que devemos tomar como exemplo, são sempre os mesmos que vêm na lista, sendo um desses a Alemanha. É curioso, pois na vertente futebolística, principalmente no que toca ao adepto, Portugal parece não querer seguir o exemplo de ninguém, muito menos o alemão, e insiste em cometer estupidez atrás de estupidez. Em países estáveis, saudáveis e evoluídos como a Alemanha ou Holanda, as claques são protegidas e é-lhes dada a devida importância. No fundo, entendem o quanto os adeptos são importantes e agem em conformidade. A pirotecnia é legal e é lá que encontramos aqueles ambientes de estádio frenéticos, lindíssimos, que praticamente fazem com que a equipa entre a ganhar. Por que não seguir o exemplo? É mais fácil continuar a ser pequenino e dizer que as claques são más, deviam acabar e nada merecem em vez de arregaçar as mangas e resolver os principais problemas como fizeram os países “grandes e desenvolvidos”.
Em Brugge, adeptos do Benfica acenderam uma tocha e exibiram uma faixa que dizia o seguinte: “Num país onde se perdoa político corrupto e ladrão, condena-se o ultra que abre uma tocha a 5 anos de prisão.”
Em Portugal, um ser humano que cometa o crime de violação pode apanhar no máximo, repito, no máximo, até 6 anos de prisão, sendo que o mais comum é mesmo ficar com uma pena suspensa. Em Portugal, um ser humano que abra uma tocha num estádio pode levar uma pena de 5 anos de prisão. 5 anos. Acho que tudo faz sentido aqui.
O futebol é para todos. É para o adepto que demonstra o seu apoio ao estar presente no estádio, optando por ver o jogo sentado, cantando e batendo palmas ocasionalmente, como é também para o adepto que quer estar os 90 minutos em pé a cantar pelo seu clube. Todos fazem falta. Todos vivem e amam o desporto e o seu clube à sua maneira. E nesta linha, as claques podem ser tudo menos exceção. As claques e grupos de adeptos fazem e sempre fizeram do futebol um desporto fervoroso, apaixonante e entusiasmante. Futebol é vida e é isso que esses adeptos dão ao nosso desporto. Dizer o contrário é não querer ver toda a beleza que o futebol tem para nos dar.
Mateus Lourenço
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