Quantas vezes já se ouviu dizer que o número 10 está morto, e que esse estilo de jogo não existe mais. Idolatra-se muito o futebol do antigamente, especialmente jogadores como Maradona, Kaká, Baggio, Riquelme, Aimar, entre outros. Pela sua velocidade, pela sua técnica, pelo sua capacidade de tirar 3 ou 4 adversários do caminho. Associa-se este estilo de jogo muito ao Brasil também: Ronaldinho, Ronaldo Fenómeno, Adriano Imperador, Neymar, Ganso (quando surgiu no Santos). Sente-se falta não só da qualidade destes jogadores, mas sobretudo daquilo que eles representam: um estilo de jogo mais irreverente e menos amarrado por análises e instruções táticas dos treinadores.
Fala-se muito na morte do futebol de rua. Ele está morto de facto. E os motivos são vários: uma evolução tecnológica a nível global que faz com que qualquer miúdo hoje em dia tenha acesso a um telemóvel ou computador, querendo muito mais estar em casa do que ir jogar futebol com amigos; uma crescente preocupação generalizada por uma geração de pais com pavor de deixar um grupo de miúdos sozinhos fora de casa e sem vigilância (e sem paciência para serem os próprios pais a "estarem de olho” no grupo); mas principalmente pela crescente profissionalização das escolinhas de formação.
Com uma crescente pesquisa do mundo do treino a partir dos anos 90, por autores como Seirul-lo, Jorge Castelo e Carlos Queiroz, deu-se uma especialização das academias de formação. Os treinadores e clubes passaram a conseguir especificar melhor o que treinar e como fazê-lo. O problema de dar praticamente todo o controlo deste processo ao treinador é que se deixa o jogador fora do processo de decisão. Um controlo excessivo por parte de quem dá o treino pode acontecer ou por falta de informação, ou por arrogância do treinador, e é preciso combater ambas. O objetivo de um treinador de formação é o de mostrar aos jogadores as ferramentas que eles têm disponíveis, e o de potenciar a capacidade de tomar decisões dos atletas para que eles se tornem um jogador com um estilo próprio. Querer robotizar todo um plantel, tomando as decisões por eles, é retirar-lhes a sua individualidade e humanidade enquanto jogadores. É jogar Playstation, não ser treinador. Para além disso, este robotizar do atleta às preferências de um treinador ainda vai resultar em dificuldades acrescidas quando o mesmo trocar de equipa ou subir de escalão, porque vai ser confrontado com um contexto diferente que vai demorar muito mais tempo a perceber por não ser exposto à sua própria tomada de decisão.
Como é que se pode ajudar os miúdos a serem eles próprios dentro de campo? Expondo os jogadores a problemas diferentes e não rejeitando as soluções que eles arranjam só por não ser aquela que nós seguiríamos, tentando perceber a lógica por trás da sua decisão. Isso existia no futebol de rua por não haver um treinador a dizer que o processo estava bem ou mal, ou a guiar o exercício. Era apenas um jogo de futebol entre amigos, com toda a magia e beleza anárquica que isso envolve. Eu prefiro que os atletas se desenvolvam no treino. Eu prefiro saber aquilo que se está a treinar e apontar a sessão de treino para apontar um princípio em concreto. Porém, eu percebo a relação de abertura e confiança que tem de existir entre treinador e atleta para não matar a sua individualidade.
A irreverência no futebol que Aimar, Maradona e outros apresentavam dificilmente voltará. Não por os miúdos já não irem jogar tardes inteiras para pelados, mas por serem cada vez mais castrados a tornarem-se um jogador de sistemas. A terem outra pessoa a pensar por eles. O futebol é um desporto coletivo, mas tem de existir espaço para a individualidade. Para não se matarem lances como o golo de Maradona à Inglaterra, como o chapéu de Neymar sobre o defesa do Villarreal, como a forma característica como o R9 fintava o guarda-redes.
O futebol de rua está morto, mas pode renascer, se dermos essa liberdade aos jogadores. Não sou eu que o digo: é o próprio Aimar.
João Blanco
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