A 1 de janeiro de 2023, começou a Kings League, um campeonato espanhol de 7x7 com regras semelhantes às do futebol transmitido de forma gratuita na Twitch. Mesmo sendo uma liga transmitida de forma aberta, é bastante rentável, através de patrocínios, merchadising, venda de bilhetes, etc. Sendo até um conceito bastante simples, porquê tal mediatismo e conversa sobre o tema?
Esta liga foi fundada por Gerard Piqué, ex-jogador do Barcelona, e Ibai Llanos, um dos maiores streamers espanhóis, que ficou famoso ao fazer diretos a jogar League of Legends e que atualmente até é dono de uma equipa de esports (equipa KOI). Para além disso, os 12 clubes que pertencem a este campeonato são presididos também por ex-jogadores de futebol, como Iker Casillas e Kun Agüero, ou por outros streamers, como Adri Contreras e Juan Guarnizo.
O formato da competição é simples. As 12 equipas jogam entre si em apenas uma volta (ou seja, há 11 jogos na fase regular). Depois, começa a fase a eliminar. As equipas que acabarem nos 8 primeiros lugares disputam uns quartos de final. As meias-finais, em formato Final Four, serão disputadas no final de março no Camp Nou. No fundo, o formato é algo semelhante ao da Taça da Liga.
Porém, o grande segredo para a mediatização deste evento está na espetacularização do desporto. Estes jogos de 7x7 são muito mais intensos e anárquicos do que um jogo de futebol normal, por serem disputados por atletas amadores (como Youtubers) ou por jogadores de futebol já reformados. Raramente, um jogador ainda em atividade entre em campo, como foi o caso de Chicharrito e do Enigma, um jogador da LaLiga que disputou uma partida da Kings League todo coberto devido ao facto de o seu clube não o ter autorizado a participar da competição. Sendo jogos com um espaço mais curto e com pouca preparação tática, são mais entretidos, pois levam a muitas oportunidades claras de golo.
Ainda existem regras e especificidades próprias da competição. Há substituições ilimitadas e os cartões amarelos e vermelhos têm outro tipo de castigos. Ao levar um amarelo, um jogador fica 2 minutos de fora, e, ao levar um vermelho, fica 5 minutos de fora. Não há empates, sendo que, quando acabam as duas partes de 20 minutos tendo as duas equipas o mesmo número de golos, faz-se um desempate por penáltis à MLS nos anos 90. Ou seja, o jogador parte com a bola do meio-campo e tem 5 segundos para rematar à baliza e tentar bater o guarda-redes. O pontapé de saída para o início também é fora do comum, indo buscar inspirações ao basquetebol. A bola fica no meio-campo e as equipas ficam na sua linha de baliza. Quando o árbitro apita, ambas as equipas correm em direção à bola, dando assim início ao jogo. Cada equipa também só pode utilizar o VAR uma vez e, se a decisão for revertida, logo, se a equipa tiver razão no lance, ganha uma segunda vez para utilizar o VAR.
Porém, o grande fator diferenciador desta competição são os golden cards, cartas sorteadas antes do jogo e que cada equipa pode utilizar uma vez por partida. Existem 5 tipos de cartas:
Penálti a favor
Exclusão de um jogador rival durante 2 minutos
Um golo vale por dois se for marcado nos 2 minutos seguintes
Joker, ou seja, poder utilizar qualquer carta
Roubo de carta. Quando a equipa A utilizar uma carta da 1 à 4, esta carta 5 permite roubar a carta para a equipa B usar.
Esta nova competição levanta algumas questões, sendo a principal: será este o futuro do futebol? Isto prende-se também com a espetacularização do desporto, algo já recorrente nos Estados Unidos, com o Super Bowl, NBA e não só, mas a que a Europa tinha conseguido resistir durante algum tempo. Este tópico vai ser o tema de discussão do próximo episódio do nosso podcast, que sairá na segunda-feira.
Não existe nenhum problema em um grupo de amigos querer organizar uma liga de futebol amador, ganhando seguidores e dinheiro com isso. Aliás, se calhar, é este o sonho de muitos de nós. Mas chamar a isto futebol causa-me impressão. É um desporto, porque promove a atividade física de quem participa, e um espetáculo, pela quantidade de estímulos que promove e por a prioridade da liga ser o espectador. Na minha ótica, no futebol, a prioridade deve ser a competição, e não a venda para fora. Se com a entrada do dinheiro dos direitos televisivos as prioridades no mundo do futebol podem ter mudado um pouco, a Kings League é o cúmulo da americanização do futebol. Não me levem a mal: há muitas coisas que o desporto europeu podia aprender com o americano. Por exemplo, nos Estados Unidos, não é estranho haver adeptos de equipas rivais na mesma bancada. Pelo contrário, até é normal. Devíamos importar isso.
Porém, não gosto das kiss cams, não gosto dos enormes espetáculos de luzes à concerto dos Coldplay, e não gosto de partes de 20 minutos com cartas especiais. Acho que desvirtuam a atenção da competição. Por muito que possam atrair mais público aos estádios, não fomentam o gosto pelo desporto. Querem um exemplo? Vejo todos os anos o espetáculo do intervalo do Super Bowl, porém, nunca vejo o jogo. Porquê? Porque gosto dos cantores e bandas que andam na moda e não gosto de futebol americano.
A evolução é um passo natural, e acredito que o futebol vá-se vendendo cada vez mais ao espetáculo. Gostava é que nos vendêssemos ao bom que o mesmo envolve, e não ao contrário.
João Blanco
As Últimas do Projeto:
Podcast: Premier League c/ Óscar Góis
Redes sociais:
Outros textos: