O suspiro dos sem voz
No futebol, para se ser grande, a fatura é, muitas vezes, ainda maior. Apesar disso, em Bilbau, o orgulho e a história, venceram um troféu carregado de simbolismo.
As estrelas milionárias, os reforços galácticos que “nem calçam” e os brandings inovadores são a matemática do futebol de hoje. O Athletic Club venceu a Taça do Rei e, com ela, mostrou que, quando se fazem contas, nem sempre se subtraem os princípios.
Para quem não tem conhecimento, o Athletic é um clube muito mais incomum que a norma. Quem não o souber, no máximo estranhará a ausência de jogadores internacionais - exceção feita a Inaki Williams, de origem ganesa – ao olhar para as fichas de jogo.
O Athletic de Bilbau é, orgulhosamente, basco. Utilizando a descrição que o ZeroZero, “no Athletic Club só jogam bascos, nenhum jogador 'estrangeiro' pode vestir a camisola dos leones e por 'estrangeiros' entendam-se todos aqueles que nasceram fora do País Basco, Navarra e País Basco francês. E, por bascos, leia-se todos os filhos de bascos nascidos fora do País Basco ou todos aqueles que, mesmo nascendo fora do País Basco, tenham vivido em Euskadi desde tenra e idade e tenham feito o seu percurso desportivo nas escolas do Athletic.” Este é o lema de um gigante europeu – sim, gigante – tão gigante que, nos seus tempos áureos criou uma sucursal em Madrid, que daria origem ao Atlético de Madrid.
Este fim-de-semana, depois de passar por Eibar, Atlético de Madrid, Alavés e Barcelona, os bascos carimbaram a reconquista de um título que lhes fugia há 40 anos, em grandes penalidades, frente ao Mallorca. A festa em Sevilha foi tremenda, mas a grandiosidade deste feito sentiu-se, realmente, em Bilbau: o estádio San Mamés abriu e encheu para receber adeptos que queriam ver o jogo nos ecrãs gigantes do estádio. A festa foi vermelha e branca, uniu toda a região e acabou com uma amargura que se estendia há décadas.
No paradigma atual do futebol, os de barriga cheia continuarão a inchar, sem nunca se considerarem perto de implodir e os magros vão emagrecendo fruto de dietas impostas. Neste contexto, encontrar clubes que optam por se regular, movidos por princípios tradicionais autoimpostos, não só é uma surpresa, como uma raridade bonita de se ver. O Athletic Bilbau é um clube especial. Como tal, cada vitória, cada troféu, cada trago de glória, valerá sempre muito mais. Isto não é só uma taça. É a prova de que as vitórias não se fazem sempre às custas dos nossos valores fundamentais. Parabéns ao Athletic, um gigante espanhol, pela conquista. Que se sigam muitas mais.
O “É um café e um jornal” é uma crónica semanal 78. As crónicas “café” são mais curtas, rápidas, possivelmente, mas não necessariamente, sobre algo mais atual. As crónicas “jornal” exploram mais a fundo um qualquer tema. Nem sempre será café, nem sempre será jornal. O objetivo é pedir, pelo menos, um jornal por mês, e nas restantes semanas, servir cafés. Boa leitura.