Palestina(o) sempre!
A hipocrisia da UEFA/FIFA que mantém Israel em competições de futebol internacionais só é menor que a solidariedade do mundo para com um povo que luta para não ser extinto
No dia de 7 de Maio, passada terça-feira, diversos media avançaram com a notícia de que foram encontradas valas comuns em Gaza com pessoas, possivelmente, sepultadas vivas – como confirma este excerto da CNN “Nações Unidas denunciam mais de 390 corpos foram descobertos nos hospitais Al Nasser e Al Shifa, incluindo de mulheres e crianças, salientando os possíveis casos de pessoas enterradas vivas”. No mesmo dia, o Palestino do Chile venceu um jogo, para a Copa Libertadores, carregado de simbolismo.
Fundando por um grupo de imigrantes, o Palestino foi criado no Chile – país que conta com 500.000 mil descendentes de palestinianos – em forma de homenagem ao povo e cultura da Palestina. Se o nome sugere algo, as cores do clube dissipam qualquer dúvida: o Palestino veste equipamentos com a presença das cores da bandeira palestiniana: o verde, o vermelho, o branco e o preto. O clube é o maior representante, a nível futebolístico, deste povo, fora do próprio país.
Um exemplo da ligação mística entre o clube e a nação da Palestina é a celebração feita pelo jogador Felipe Chamorro, depois de um golo marcado na vitória frente ao Millionarios, esta época. O jogador adota uma pose e um gesto referente a Handala – uma personagem de cartoon que representa o povo palestino na forma de uma criança refugiada. Da mesma forma, durante uma onda de violência da polícia israelita sobre pessoas palestinianas, a equipa entrou em campo com keffiehs – um lenço pertencente à indumentária deste povo do médio oriente.
Duplos critérios – a hipocrisia europeia
No mesmo mês em que começou o conflito entre Rússia e Ucrânia, as equipas russas e a respetiva seleção nacional (em todos os escalões) foram proibidas de participar em todas as competições da FIFA e UEFA a que tinham acesso – deixou de haver Champions, liga europa e Conference para as equipas russas, e Euro e Mundial interditaram a seleção das competições e qualificações para as mesmas. O critério para o fazer foi bastante simples: um país soberano invadiu outro país soberano e, como tal, a punição desportiva aplicável foi o sancionamento do país invasor através do banimento de todas as competições. Critério simples, aparentemente. Após isto, a palavra “paz” foi convidada assídua para aparecer nos jogos das competições europeias, com a tradução em inglês e ucraniano. Múltiplas campanhas pelo fim da guerra, bem como de apoio ao país invadido surgiram, naturalmente, nos clubes, competições e bancadas de cada estádio. A bandeira ucraniana começou a aparecer nas transmissões televisivas – colocada pela transmissão no ecrã ou vista nas bancadas dos estádios, levadas por adeptos.
O critério é simples, concorde-se ou não. E, aparentemente, fácil e rápido a aplicar.
O curioso do caso é que, durante anos a fio, o governo israelita, com a conivência da UE e dos EUA, praticou atos de violência contra um povo – palestiniano – reprimindo-o e ostracizando-o. Em regiões palestinianas, palestinianos foram sendo expulsos para dar lugar a ocupantes israeltias. Esta violência constante vem dos tempos do Nakba e não é novidade. Exemplo simples de explicar e atual disso é o assassinato da criança de 12 anos, Muhammad al-durra – ele e o pai foram apanhados num tiroteio e, escondidos atrás de uma pedra, foram atingidos por um sniper.
Mais recente ainda, é o episódio com a repórter Shireen Abu Akleh, assassinada por forças israelitas com um tiro na parte de trás da cabeça enquanto cobria ataques ao West Bank.
O número de incidentes é incalculável. Mas desde que o Hamas fez um ataque terrorista no dia 7 de outubro, a resposta dada pelo governo israelita ultrapassa qualquer forma de humanidade. Com mais de 35 mil mortos, sendo 70% mulheres ou crianças e – segundo dados do Euro-Mediterranean Human Rights Monitor, 90% civis, a Palestina vive uma crise nunca antes vista. Os seus cidadãos são mortos indiscriminadamente, sejam crianças, bebés ou mulheres. Os seus hospitais destruídos. Os seus civis torturados, humilhados e assassinados.
Este conflito já vai longo e, apesar da sua brutalidade, a UEFA e a FIFA, aparentam um desconhecimento total do caso. Perdão, aparentam um desprezo total. Nos estádios, não se vê “paz” escrito em árabe. As bandeiras palestinianas exibidas nas bancadas geram expulsam de adeptos e multas para os clubes. “Não há espaço para a política no futebol” surge nas bocas dos que validaram a expulsão das equipas russas de todas as competições, por motivos extra-futebol. Não aparece a bandeira palestiniana nas transmissões e a sua menção pode levar as castigos. Por isso, resta fazer a questão: quanto mais é preciso para banir toda a presença israelita das competições de futebol?
Quantas crianças palestinianas têm de sangrar até à morte e ser alvos indiscriminados das forças de Israel? Não chegam as 15 mil já assassinadas? Quantos jornalistas, que dão a vida para que possamos ter acesso aos testemunhos mais reais possíveis, têm de pagar com a vida a nobreza do seu trabalho? Os mais de100 repórteres mortos não chegam? Quantos vídeos de crianças mortas à queima-roupa, desarmadas têm que aparecer nas nossas redes sociais (nunca nas tvs, como é evidente)? Quantos palestinianos têm de ser assassinados no West Bank (zona da Palestina sem a presença do Hamas)? Quantas escolas e hospitais têm de ser destruídos até às fundações? Quantas valas comuns dignas da segunda guerra mundial vão ainda ter de ser encontradas? Quantas rotas para a “evacuação segura” dos palestinianos faltam ser bombardeadas? Quantos quilómetros de terra têm de ser comidos pelos invasores? Quantos crimes de guerra faltam ser cometidos? Quantos apologias à destruição e extinção do povo palestiniano têm de ser feitas por ministros israelitas? Quantas crianças subterradas sobre betão terão de ser salvas ainda? Quantas vezes teremos de ouvir as frases “Israel must find ways for Gazans that are more painful than death” ou que largar uma bomba atómica em Gaza é “one of the possibilities”, ditas por ministros israelitas? Quanto é que falta à UEFA e à FIFA para fazerem aquilo que fizeram numa questão de dias com a invasão russa e expulsarem de todas as competições as equipas e seleções israelitas. Quanto vai esperar o mundo do futebol até que a única decisão sensata e coerente seja tomada? A nível futebolístico, esta é a única opção. Até lá, este assobiar para o lado por parte das organizações é algo que dá asco e um nojo impossível de esconder.
Esta é a posição que mais que parece coerente, tendo em conta o que foi feito com a Rússia, no entanto, tenho uma segunda sugestão:
Se querem ver Israel a jogar futebol em competições internacionais, ponham-nos a disputar uma final contra a Alemanha de 1938. Há de ser renhido.
Viva a Palestina. حرية لفلسطين.
O “É um café e um jornal” é uma crónica semanal 78. As crónicas “café” são mais curtas, rápidas, possivelmente, mas não necessariamente, sobre algo mais atual. As crónicas “jornal” exploram mais a fundo um qualquer tema. Nem sempre será café, nem sempre será jornal. Boa leitura.