Trent: A racionalidade emotiva
Os dois lados da moeda naquela que pode ser uma das transferências do próximo verão. A emotividade de Liverpool e a racionalidade de Madrid.
O mundo do futebol não tem falado de outra coisa na última semana. É o tema quente da atualidade: A quase certa transferência de Trent Alexander Arnold para o Real Madrid, na próxima época. O lado emotivo dos adeptos do Liverpool, o lado racional do jogador como um simples trabalhador, e tudo em seu redor.
No mesmo ano em que completa 27 anos, a novela “Trent” chega ao desfecho que poucos podiam prever. O lateral-direito do Liverpool vai rumar a Espanha, sendo o Real Madrid o seu destino. Juntamente com Virgil Van Dijk e Mohamed Salah, Trent é um dos jogadores que termina contrato no final da presente temporada no gigante de Merseyside. Posto isto, sendo o inglês um “filho de Liverpool”, alinhando no clube há mais de 15 anos, era expectável que a sua renovação de contrato chegasse, mais cedo ou mais tarde.
Mas foi aqui que entrou (novamente) Florentino Pérez, presidente do clube espanhol. Tal como havia feito com Kyllian Mbappe ou até Antonio Rüdiger, o presidente do Real Madrid conseguiu de tal maneira “enfeitiçar” Trent que o levou a deixar o clube do coração a custo zero. Engane-se quem pensa que este é uma magia que Florentino aplicou recentemente no jogador. Este método de “sedução” dos ‘merengues’ é algo gradual, e com toda a certeza do mundo que as férias passadas junto de Jude Bellingham, os jogos entre ambos os clubes (três jogos desde 2023) e muitos momentos de “backstage” levaram a que esta seja uma manobra pensada por Florentino há mais de dois anos, com toda a certeza.
Em toda esta novela, surgiram dois posicionamentos: o posicionamento do adepto romântico, que olha para o futebol como algo apaixonante, como algo que desperta não só uma paixão, mas como algo muito maior, um estilo de vida, e o adepto que olha para a modalidade como um trabalho, onde melhores salários são uma justificação plausível para abandonar o clube do coração.
Em Liverpool, reina um sentimento de traição. O menino de ouro, o sucessor de Steven Gerrard, o mesmo jogador do célebre “corner taken quickly”, prepara-se para deixar o clube do seu coração, onde joga desde criança, para rumar a Espanha. O objetivo? Conquistar não só o campeonato espanhol, mas também a Liga dos Campeões, longe de Anfield. Nas redes sociais circulam vídeos da famosa camisola número 66 a arder, enquanto vários são os adeptos que exigem à direção o afastamento de Trent até ao final da presente temporada desportiva.
A mágoa é evidente. E porquê? Porque o futebol é assim. Porque, para a maioria dos adeptos, o futebol não é um negócio. É paixão, é identidade, é uma ligação emocional que se estende não só entre adeptos e o clube que escolheram apoiar, mas como com todos os jogadores que o representam. E um jogador com Trent é o mais alto exemplo de tal. E é por isso que esta saída dói. Porque acreditamos que não há dinheiro capaz de superar a felicidade de jogar pelo clube que se ama desde sempre, e que independentemente dos títulos conquistados, Trent iria sempre ficar. São jogadores como o inglês que fazem crianças acreditarem que é possível ser feliz e jogar pelo clube que amamos, tal como idealizamos desde jovens. No entanto, jogadores como Steven Gerrard, Francesco Totti, Marco Reus ou Thomas Müller são cada vez mais raros no futebol moderno, e cada vez mais o amor à camisola é visto com indiferença por parte do jogador.
No outro lado da moeda, muitos são aqueles que consideram o futebol cada vez mais como um negócio, e a transferência de Trent para o Real Madrid insere-se perfeitamente nessa lógica. Se por um lado há quem defenda a ideia romântica da lealdade a um clube(neste caso o Liverpool), por outro, cresce o número de adeptos que veem estas movimentações como naturais dentro de um desporto que cada vez mais deixa de o ser, tornando-se num negócio.
Depois de uma carreira brilhante ao serviço do Liverpool, onde conquistou todos os troféus possíveis e se afirmou como um dos melhores laterais do mundo, é legítimo que o internacional inglês procure agora um novo desafio. E que melhor destino do que o Real Madrid? Os ‘merengues’ são amplamente reconhecidos como a maior potência do futebol mundial, não só pelo seu histórico de títulos, mas também pela capacidade de atrair e potencializar os melhores jogadores do planeta. Além da mudança desportiva, há fatores que tornam esta transferência ainda mais apelativa. Um contrato mais vantajoso em termos monetários, a integração numa equipa mais competitiva que o Liverpool e a perspetiva de continuar a lutar pelos principais títulos europeus são argumentos difíceis de ignorar. Para Trent, a decisão pode ser comparada à de um profissional que, após anos de dedicação e sucesso numa empresa onde foi feliz, recebe uma proposta irrecusável de uma organização de maior prestígio e com um salário significativamente superior. Nesse contexto, a saída do lateral-direito não deve ser vista como uma traição ou falta de gratidão ao Liverpool, mas sim como um passo natural na evolução de um jogador de classe mundial. Afinal, no futebol moderno, talento e ambição caminham lado a lado com a inevitável realidade do mercado.
Tudo depende do contexto, e qualquer um deles está correto. Depende apenas dos valores incutidos na nossa pessoa, e na história que temos com o mundo do futebol como adeptos. É perfeitamente natural compreender a mágoa dos adeptos dos ‘reds’, tal como é perfeitamente normal ouvir as opiniões de um analista ao analisar esta transferência apenas do ponto de vista financeiro.
O certo é que Trent está a caminho de Madrid, e será mais um ”galático” a chegar ao Santiago Bernabéu, com uma bagagem cheia de títulos, e a entrar no pico da sua carreira desportiva. Tem tudo para correr bem. No entanto, e apropriando-me de uma conhecida expressão inglesa, a relva nem sempre é mais verde do outro lado.
João Pinto
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