Ajax: contra a corrente do minimalismo
Após ser anunciada a mudança do emblema do Ajax (para uma versão antiga), fez-me sentido revisitar aquilo que tem sido o passado recente do mundo do futebol (na vertente da “marca”)
O futebol, enquanto mundo gerador de dinheiro e fonte de negócio, vive tendências transversais à sociedade: do marketing até à responsabilização social, o futebol gira à mesma velocidade do mundo. Mas fiquemos pelo marketing.
Menos, menos, menos…menos ainda
Num mundo em que tudo diminui, tudo perde elementos e, muitas vezes, história, chega a ser perigoso andar na rua, não vá existir um rebranding minimalista da calçada portuguesa que me faça por o pé num buraco qualquer (já que esses buracos já existem sem rebranding). O que acontece desde sempre no mundo empresarial, é a atualização constante dos elementos gráficos de cada marca pelos mais diversos motivos: transmitir modernidade, iniciar um novo ciclo/findar um ciclo corrente, passar uma imagem revolucionária…e todos nós encaramos marcas e logotipos em constante mutação. A tendência é clara: do Instagram, ao Spotify, passando pela Netflix ou o KFC, as marcas redesenharam-se para se redescobrirem, na maioria das vezes, deixando elementos considerados acessórios, para trás.




Uniformização, modernização estética e minimalismo são as palavras de ordem e o futebol não fica atrás. Inúmeras equipas de futebol (como veremos mais à frente) têm optado por um redesign daquilo que é o primeiro e mais importante símbolo de um clube: o símbolo. A imagem de uma empresa é, no entanto, diferente daquilo que é a imagem de um clube. Se o KFC mudar o logótipo, eu não vou deixar de gostar do seu frango frito. Mesmo que o Spotify voltes ao logo antigo, não monocromático, eu vou continuar a ouvir os novos álbuns dos Ganso e o do Plutónio por lá. O impacto, enquanto consumidor pode ser maior, é certo, mas o sentimento perante o logo de uma marca que eu consumo ou o símbolo do meu clube é totalmente diferente. O símbolo do Porto “pertence-me”, enquanto adepto, de uma forma que o logo da Lays nunca me irá “pertencer”. Os clubes são dos adeptos e, como tal, os seus elementos são nossos. Porque nos representam, porque contam a nossa história. Dos mais simplistas até aos mais rebuscados, o símbolo, o estádio e o hino são coroas que cada clube tem como só seu e que cada adepto sente como único. Principalmente por este motivo, todo o tipo de alterações que afetem os principais símbolos do clube devem ser aprovados pelos seus adeptos. Não foi isso que a Juventus fez…
Traição: Não sei quem sou, que alma tenho?
Se Pessoa o dizia, é porque deve ser verdade. Uma diferença significativa dos logos das empresas para os símbolos dos clubes tem que ver com a sua história e o seu significado. A maçã mordida da Apple não tem de querer, por si só, dizer nada. Com os símbolos do Benfica, Porto ou Sporting já não é assim. A data da fundação, a cor, o principal símbolo (dragão, leão, águia) são elementos indissociáveis de cada logo. São inúmeros os exemplos de clubes que optaram por se redesenharem de forma questionável: Juventus, Leeds, Aston Villa, Cardiff e Atlético de Madrid são alguns exemplos. A Juventus perdeu um símbolo magnífico, oval, com a coroa, o cavalo e passa a ser duas listas brancas em fundo negro que formam um “J”. Imaginem o Sporting passar a ser um S feito a verde ou o Benfica largar a águia, o lema, a sigla e o escudo vermelho e branco para se tornar num “B” feito a vermelho.
Eu nunca lutarei contra a modernização, nos aspetos em que considere necessário e percebo que em certos momentos faça sentido um desenvolvimento gradual daquilo que é a imagem do clube, mesmo que envolva mexer em temas sensíveis. Percebo também que o emblema acabe por poder ser o mote de toda a língua gráfica de um clube e que para o clube e a sua comunicação a nível gráfico não estagne, seja preciso fazer pequenas mudanças na estética do emblema e da própria instituição. Por isso mesmo, falemos do Estoril.
Ouro sobre azul: uma aula dada com vista para o Tamariz
Só os mais distraídos é que ainda não perceberam o trabalho que anda a ser feito na zona da linha. O ajuste feito no emblema (que perdeu a panóplia de cores que tinha), a fixação feita dos elementos-chave do clube (sol, amarelo, azul e o triangulo invertido), a criação de uma marca gráfica distinta e moderna, a nova forma de comunicar (através das redes sociais) e um equipamento que saiu da Boca do Inferno para as bocas do mundo. O Estoril não queria abdicar do que é: não queria sair da praia, não queria deixar de pôr um pé no mar, não queria ter nuvens à frente do Sol e não queria sair da vila. A Colure Sports, responsável pelo rebranding, ouviu isso e decidiu fazer aquilo que parece raro no futebol atual: respeitou o clube, a sua história e os seus adeptos. As mudanças levaram o Estoril para o Tamariz como nunca tinha ido e deixou adeptos de amarelo e azul a fazerem festa pela marginal. O “Ouro sobre azul” ganhou vida e, mais que nunca, uma identidade coletiva foi muitíssimo bem aproveitada. É raro, mas possível.
Quando questionado sobre a procura pela simplificação e a escolha que o Ajax teve, Bernardo Fernandes, da Colure Sports, afirmou:
“Esta transformação do logo do Ajax, inserida na campanha de branding do 125º aniversário do clube é, com certeza, merecedora de atenção. Trata-se de um clube e duma cidade que transpira e inspira desporto, cultura e inovação.
Nos clubes de futebol, as alterações nos seus emblemas são sempre bastante 'sensíveis' para os adeptos, mas neste caso a grande maioria dos adeptos holandeses parece bastante satisfeitos com esta mudança de logo.
É interessante que num período onde os clubes se tentam internacionalizar cada vez mais, o Ajax parece sim interessado em recuperar e cimentar os valores e identidade da sua marca primeiramente junto do seu público “mais próximo” - dos Amsterdamers. Um pouco a tendência e o equilíbrio que define o conceito de “glocalization”.
A aposta no regresso do logo antigo, a afirmação duma mensagem e imagética que remonta a tempos anteriores e mais gloriosos assim como a utilização do termo “ajacied” parece confirmar isso mesmo.
O reforço da identidade de marca nos seus valores originais e autênticos, porque são estes que vão mais além do design e das nuances estéticas do clube.”
Quando se fala de mudar, associa-se sempre a mudança à perda. De elementos, de histórias e de história. Os adeptos são os maiores visados, já que são os mais apaixonados. Para o Ajax, os adeptos e a história do clube são o mais importante. Mais importante que a qualquer questão gráfica que possa surgir com o novo emblema. Porque, no final, quem celebra os títulos e as vitórias com o símbolo de cada clube ao peito são os seus adeptos e não os designers por esse mundo fora que, de barriga cheia, vão comendo os elementos diferenciadores de cada clube.
Pedro Brites
As últimas do projeto:
Há mudanças de símbolo de clubes muito bem conseguidas, como foi o caso do Santa Clara, que passou de ter o emblema do Benfica para um emblema próprio e que ficou muito bem, embora esta seja uma situação muito específica.
Mas sim, geralmente vezes as mudanças drásticas de emblema são um erro, o caso da Juventus então, que desgraça.