Futebol brasileiro, o triturador de treinadores
A “dança das cadeiras” é já parte da cultura futebolística do Brasil, e em 2023 não tem sido diferente.
Mais uma segunda, mais uma Cavadinha! Hoje, com um tema que foi já referido algumas vezes em outros textos e que será, então, o tópico principal do dia: a mudança constante de treinadores no Brasil.
Lembram-se de ter falado na “dança das cadeiras” ou na minha “teoria dos 20” quando estávamos a falar sobre os Treinadores portugueses no Brasil? Bem. Infelizmente, eu não estava a brincar: no futebol brasileiro é mesmo difícil haver um trabalho a longo prazo. Esta é uma realidade há mais de 20 anos e se tornou uma marca registada do Brasil.
A dança das cadeiras
Vamos, então, a alguns dados. Ao ter por base um interativo do GloboEsporte, no qual foi analisada todos os treinadores que passaram por 30 dos maiores clubes do Brasil de 2003 até hoje, constatam-se alguns factos assustadores: ao longo desses 20 anos, mais de 2600 (!) trocas foram efetuadas apenas pelo grupo de 30, numa média de 130 (!) por ano, mais de dez por mês.
Ao fazer a análise por mês, é notório que os períodos entre competições, como março/abril (fim dos Estaduais e início dos campeonatos nacionais), agosto (meio da época) e, sobretudo, dezembro (final de uma época e preparação para outra) são quando mais trocas ocorrem. Grande exemplo foi o mês de dezembro de 2013, no qual 29 (!) das 30 equipas optaram por trocar de comandante.
Da lista, que consta com 19 equipas da Série A (exceto o Cuiabá), sete da Série B, duas da Série C e até mesmo o Santa Cruz, da Série D, e o Paraná Clube, sem divisão, o Ceará apresenta-se como “pesadelo”, com inacreditáveis 59 trocas de treinador desde 2003 (a contar interinos). Como “campeão” temos o Palmeiras, que fez “apenas” 25 alterações.
Os treinadores
Reflexo deste fenómeno acaba por ser, como expectável, a existência de treinadores com múltiplas passagens em vários clubes, visto que não se implementam trabalhos a longo prazo. O Tempo médio de permanência de um técnico num clube da elite no Brasil é de menos de seis meses, sendo raríssimo alguém que assumiu um projeto ao início do ano concluí-lo em dezembro.
Os motivos, que variam desde sequências de resultados negativos, eliminações em provas importantes ou até mesmo polémicas, levam a que os treinadores, que não deixam de ser também trabalhadores, troquem constantemente de equipa. Dentre alguns nomes analisados, lideram a lista dos mais viajados Hélio dos Anjos, com 30 clubes, Gilson Kleina, com 31 e Argel Fuchs, que esteve há pouco no comando do Alverca, com 32 equipas comandadas nesse período de 20 anos.
Engana-se, porém, quem pensa que esta é uma realidade exclusiva para treinadores com “pouco nome”: Vanderlei Luxemburgo, que em 2005 comandou até o Real Madrid, e Joel Santana, que comandou a seleção de África do Sul no Mundial de 2010, contam com quase 20 trabalhos cada; Dorival Júnior, campeão da última Libertadores e Copa do Brasil com o Flamengo, passou por 23 trocas de emblema, sendo, hoje, inclusive, treinador do São Paulo. Destaque contrário seria o Dunga, que desde 2003 assumiu apenas três trabalhos: a Seleção Brasileira, onde esteve por seis anos ao somar as duas passagens, e o Internacional.
Em nível de tempo de permanência, o trabalho mais longevo pertence a Marcelo Veiga, que comandou o RB Bragantino por quatro anos, 11 meses e 15 dias (2007 a 2012). Por outro lado, o trabalho mais breve mais registado foi o de Cuca, que, em 2023, devido à acusação de ato sexual com menor, em 1989, levou com a pressão dos adeptos e deixou o comando do Corinthians após seis dias.
Já que se falou em 2023, dos treinadores atualmente a trabalhar, Abel Ferreira é quem tem mais tempo de casa, estando no Palmeiras há mais de dois anos e meio.
A situação de 2023
Nesses menos de seis meses de 2023, vemos que o fenómeno segue forte como sempre: apenas na Série A, oito treinadores destituídos: Paulo Pezzolano (Cruzeiro), Guto Ferreira (Goiás), Vítor Pereira (Flamengo), António Oliveira (Coritiba), Rogério Ceni (São Paulo), Fernando Lázaro (Corinthians), Cuca (Corinthians) e Ivo Vieira (Cuiabá).




A contar com os 20 atualmente no comando e os que assumiram como treinadores interinos por um tempo, são 30 trabalhos diferentes. Para se ter uma noção, o Brasileirão 2023 estabeleceu um novo record de trocas entre a primeira e a segunda jornada, havendo quatro alterações.
Na Série B, o cenário é ainda pior: a caminho da sétima ronda, dez treinadores já foram trocados na competição. Ao contar com mais três casos na Série C, o número de trocas de treinador no futebol brasileiro apenas em 2023 e só nas três primeiras divisões chega já a 21 (sem contar interinos) em apenas cinco meses, numa média de uma troca por semana (!).
A situação é inexplicável ao ponto de que já há quem saiu de um clube e assumiu outro da própria competição, como Gustavo Morínigo, que deixou o Ceará e assumiu o Avaí, e Mozart Santos, despedido do Atlético-GO e atual comandante do Mirassol.
Na Série A, temos o nosso António Oliveira, que saiu do Coritiba e está hoje no Cuiabá. O seu caso é ainda mais curioso, visto que o português era o treinador da equipa em 2022 e não renovou o contrato para assumir o Coritiba. Ivo Vieira veio para substituí-lo na formação do Mato Grosso e agora sucede-se o inverso, com o “Toni” a retornar para substituir aquele que era o seu substituto. Confuso, eu sei.
Contudo, apesar de toda essa loucura que é o futebol brasileiro, nem tudo é mal. Alguns clubes têm tentado investir em trabalhos maiores e, dos 20 atuais comandantes da Série A, sete ultrapassam já a média de seis meses apontada no início do texto. Destaques para Abel (Palmeiras) e Vojvoda (Fortaleza), únicos com trabalhos de mais de dois anos, e também Mano Menezes (Internacional), Luís Castro (Botafogo), Fernando Diniz (Fluminense) e Vagner Mancini (América-MG), que passam da marca de um ano.
Mano e Mancini que estão, por acaso, com o cargo em risco, assim como o recém-chegado ao Corinthians Vanderlei Luxemburgo. Apesar disso, a expectativa é que este seja um parâmetro decrescente no Brasil a medida em que o futebol no país evolua. Os grandes trabalhos de Abel e Vojvoda, assim como os cada vez mais valorizados trabalhos de Castro e Diniz abrem a porta a ideia de que manter um treinador mesmo que num momento conturbado, como fez o Botafogo, pode render frutos a longo prazo. A equipa carioca sofreu grande pressão para despedir Luis Castro, mas apoiou o seu treinador e é hoje líder do Brasileirão.
O futebol brasileiro é, historicamente, um ambiente hostil para os treinadores, que acabam por ser despedidos com poucos meses de trabalho. É uma prática normalizada há décadas e que não escapa a ninguém, nem mesmo ao atual campeão da Libertadores, como vimos. Essa “dança das cadeiras” torna o Brasil num autêntico “triturador de treinadores” e dificulta o desenvolvimento do futebol no país. É acompanhar de perto os próximos capítulos na expectativa de um futuro melhor para o futebol brasileiro.
Fica uma mensagem de apoio a Vinicius Júnior, do Real Madrid, que tem sido vítima recorrente de racismo em Espanha. O racismo, assim como qualquer outro tipo e violência, não pode ser aceite! Não se trata de opinião, provocação, expressão nem o que quer que seja, trata-se de um crime. Não ao racismo, nem hoje, nem nunca! O racismo mata.
“Enquanto a cor da pele for mais importante que o brilho dos olhos, haverá guerra”.
Força, Vini. Força, vítimas de violência ao redor do mundo. Seguimos juntos nesta luta.
Lucas Lemos
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