O caos do silêncio
Dentre as novas regras de arbitragens implementadas pela CBF para 2023, destaca-se a “tolerância zero” com reclamações.
Mais uma segunda, mais uma Cavadinha! Hoje temos mais um membro do Quarteto Fantástico, ou seja, o quarto texto voltado ao “Caos Perfeito”, como diria o Neymar, que é o futebol brasileiro. A ementa do dia traz-nos um tema importante: a arbitragem brasileira. Não os árbitros ou a polémica arbitragem em si, apesar de que há muito que se poderia pegar em relação a isso, mas as mudanças implementadas pela CBF para o ano de 2023 e o impacto que estas estão a ter, especialmente a orientação de “tolerância zero”.
Novas Regras de Arbitragem para 2023
Então, para começar, vamos à notícia: a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) implementou algumas mudanças de regras para a arbitragem brasileira para 2023, com algumas alterações em relação à regra do fora-de-jogo, ao VAR, ao tempo de compensação, ao aquecimento dos atletas e, por último, mas longe de ser o menos importante, em relação às reclamações. As novas regras têm como objetivo aumentar a transparência e a efetividade da arbitragem no futebol brasileiro e foram aplicadas de efeito imediato para a Copa do Brasil e para o Campeonato Brasileiro desta temporada.
O foco hoje está voltado para a última alteração referida, ligada a orientação da CBF sobre tolerância zero com reclamações, mas, primeiro, vamos fazer um round-up das alterações todas:
Linhas do Fora-de-jogo
A partir desta época, sempre que houver sobreposição das linhas vermelha (penúltimo defensor) e azul (avançado), não é considerado fora-de-jogo. Essa mudança visa reduzir o número de golos anulados injustamente. Exemplo recente ocorreu já na abertura do Campeonato, quando o este golo do Palmeiras frente ao Cuiabá foi validado.
VAR no ecrã do estádio
Em lances de revisão pelo VAR, as imagens vistas pelo árbitro serão também visíveis nos ecrãs dos estádios (que tenham condições técnicas para tal). O objetivo é propiciar a transparência da arbitragem e evitar um possível sentimento de injustiça por parte dos adeptos.
Área de aquecimento
Antes era possível que todos os jogadores relacionados aquecessem ao mesmo tempo, mas, seguindo o padrão de competições organizadas pela FIFA, em 2023 o número máximo de atletas que poderão aquecer antes de entrar em campo será de seis, garantindo segurança e organização na área de aquecimento.
Tempo de Compensação
Assim como ocorreu no Mundial de 2022, os jogos organizados pela CBF receberão acréscimos maiores, para garantir que o tempo de jogo seja justo e equilibrado, sem dar vantagem a situações intencionais de perda de tempo.
“Tolerância Zero” com reclamações
De todas as novas regras implementadas pela CBF, uma se apresenta como a mais polémica: a orientação de que os árbitros podem punir com cartões as críticas excessivas direcionadas a eles ou aos seus assistentes. Na teoria, o árbitro que se sentir pressionado pelos jogadores, treinadores ou outros profissionais na área técnica (staff ou atletas no banco), pode aplicar um cartão amarelo ou vermelho. O mesmo se aplica em casos de pressão durante a análise do VAR. O objetivo por trás da alteração é garantir que, dentro ou fora das quatro linhas, haja um espaço de respeito e colaboração com a arbitragem, evitando a pressão e hostilidade excessiva dos sobre a mesma.
Quando olhamos para o estado do futebol brasileiro, onde são constantes as reclamações, confrontos e excessos por parte dos atletas e treinadores com os árbitros, percebe-se a intenção da regra: a figura do árbitro é constantemente inferiorizada e questionada durante os jogos, como se nenhuma das suas decisões fossem corretas e que, assim sendo, mais valia serem os treinadores a arbitrar. Não está correto, e uma medida com o objetivo de travar este fenómeno é mais que bem-vinda.
É inegável que cada interveniente tem a sua função num encontro: o atleta pratica, o treinador comanda e o árbitro aplica as regras. Se não faz sentido um árbitro aparecer a “cascar” nas falhas que os atletas cometem, como falhar um golo em baliza aberta, por exemplo, não se pode normalizar o contrário. Por outro lado, será que essas hostilidades são todas sem motivo? Um grande problema que se vive no Brasil é a falta de competência por parte da arbitragem. Erros constantes, escândalos, falta de critério em certos casos… É raro um jogo em que as decisões da arbitragem saiam sem questionamentos. Tudo isso é somado a uma postura um tanto quanto arrogante por parte dos próprios árbitros que, ao perder o controlo do encontro com más decisões, assumem uma postura reativa, com certos exageros, e que não deve ser assumida por quem tem a autoridade e o poder, evitando abusos.
Assim, surge um dilema: como combater situações abusivas por parte de atletas/treinadores se há, de facto, muitas decisões questionáveis a serem tomadas? Para além disso, será que dar ainda mais poder a uma arbitragem que costuma perder o comando do jogo e, por vezes, abusar do poder ao ceder a pressão, é uma boa ideia?
Vamos então à prática: no Brasil, a aplicação de cartões a treinadores e staff passou a acontecer em 2019. Desde então até 2022, 1408 cartões foram aplicados apenas por reclamação, numa média de 0,93 por encontro. Mesmo sem a orientação de tolerância zero, foi registado quase um cartão por reclamação por jogo. O que se pode esperar então a partir de 2023, quando os árbitros receberam o apoio da CBF para aplicar esse tipo de punições sem hesitar?
O resultado aparece já na primeira jornada do Brasileirão 2023: ao somar os dez encontro da jornada de abertura, foram aplicados 21 cartões (19 amarelos e dois vermelhos) por reclamação, numa média de 2,1 por jogo.
Ao projetar esses números para a 38ª jornada, teríamos, ao final do campeonato, um número de quase 800 cartões aplicados apenas por reclamação. É isso que se quer? É esse o futuro do futebol brasileiro? 800, apesar de ser um número “inventado”, seria quase o dobro do número de cartões aplicados em 2022 por situações dessas, o dobro! É inegável que é preciso haver uma postura de maior respeito para com o árbitro, mas será que os árbitros brasileiros sabem lidar com a autoridade? Não são também parte do problema?
É esperar para ver. Mesmo com as claras preocupações sobre os impactos dessas mudanças na prática, não deixa de ser importante que a CBF continue a monitorizar e avaliar a política de perto para garantir que o principal seja garantido: melhorar a qualidade do futebol brasileiro e torná-lo mais justo, respeitoso e transparente para todos os envolvidos.
Lucas Lemos
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