O Naufrágio do Sporting em 30 Dias
O Sporting está irreconhecível. Sobre quem cai esta responsabilidade? Há forma de salvar a época ou a morte está anunciada?
No dia 10 de novembro, o Sporting venceu o Braga por 4-2 na Pedreira, numa reviravolta absolutamente épica. 5 dias antes, derrotou o Manchester City por 4-1 em Alvalade, carimbando o seu estatuto de uma das equipas em melhor forma na Europa. Estava com 10 pontos em 12 possíveis na Liga dos Campeões, 33 em 33 no Campeonato.
Um mês depois, no dia 10 de dezembro, sucede o desaire do Sporting na Bélgica, onde os leões viram o Club Brugge dar a volta ao resultado, ganhando por 2-1. O Sporting confirmou então o momento negativo, carimbando 4 derrotas consecutivas, algo que não acontecia desde 2012.
Todos os fãs de futebol sabiam que a saída de Rúben Amorim teria as suas consequências, mas nem o adepto mais pessimista, nem o rival mais otimista, imaginaria isto. De quem é a culpa desta quebra e como resolvê-la?
Rúben Amorim
A saída de Amorim tem de ser o primeiro fator da quebra de rendimento do Sporting. Caso ele e a sua equipa técnica tivessem ficado, o Sporting não teria perdido 4 jogos seguidos garantidamente. O próprio teve declarações, que ao dia de hoje não ajudam em nada João Pereira, como “os meus jogadores jogam de olhos fechados”. Se treinador se mantivesse, o rumo continuaria.
Pelo que acho que a primeira responsabilidade tem sempre ser de Rúben Amorim. Após a possível saída no final da época passada, com o episódio do avião para Londres na semana do jogo no Dragão, ele mostrou-se arrependido, comprometeu-se a ficar mais um ano e fez os adeptos sonhar com o bicampeonato:
“Diziam que só ganharíamos o Campeonato de 18 em 18 anos, depois diziam que só ganhámos porque não tínhamos público ou que jamais seremos bicampeões outra vez. Vamos ver…” - Palavras de Amorim no Marquês de Pombal, nas comemorações do campeonato do Sporting em maio de 2024
Assim se preparou uma nova época: jogadores são contratados para a metodologia de um certo treinador, outros abdicam de rumar a diferentes clubes porque acreditam na continuidade do projeto. Surge o Manchester United que bate a cláusula de rescisão de Rúben Amorim. O treinador tem aqui uma oportunidade de realizar um sonho de carreira e de se testar ao mais elevado nível: num gigante da Premier League.
Surge o dilema: manter a sua palavra ou seguir a sua ambição. Optou pela segunda. Não acho em nada reprovável essa decisão. Optou por fazer o que achou melhor para a sua carreira, tal como todos fazemos no nosso dia a dia. Mas ao fazê-lo quebrou um projeto em andamento, o que abre espaço a que jogadores e adeptos se sintam defraudados. Portanto, o primeiro culpado de o barco estar a afundar tem sempre de ser o comandante que a meio da viagem passou para um iate de luxo. A nível profissional, é natural. A nível moral, tenho as minhas dúvidas.
João Pereira
Na minha visão, João Pereira é o menos culpado de toda esta situação. Era o treinador da equipa B do Sporting e recebeu um convite para subir à equipa A. Sentiu-se preparado e aceitou. Aqui o problema não está em quem responde à oferta, mas sim a quem a faz, e já lá vou.
Acho que escolher João Pereira foi uma decisão errada, especialmente pela falta de experiência do treinador, que se vai revelando das mais variadas formas:
A insistência em Edwards nos primeiros jogos quando, principalmente a nível defensivo, o extremo não estava a corresponder;
A incapacidade de encontrar o substituto mais adequado para o lugar de Pote (testa Quenda na Bélgica, que foi a melhor solução ao longo das 4 derrotas);
A sua fraca leitura do jogo, demonstrada em substituições erradíssimas (a entrada de Esgaio, a troca posicional de Quenda e Araújo e a não entrada de Harder e Edwards, isto tudo só em Brugge),
As suas lacunas comunicacionais.
João Pereira não é Amorim nem nunca será. Como tal, nunca comunicará como ele, e os adeptos têm de ter essa consciência. Porém, vai demonstrando erros graves neste capítulo. Nervosismo e alguma falta de oratória à parte, para mim, há outros exemplos mais claros. Um deles é a forma como, na conferência de imprensa pós-jogo do Santa Clara, destaca que avisou os jogadores sobre o movimento que deu o golo dos açorianos. Acredito que o tenha feito, mas no meu entender atira as responsabilidades para o plantel com um “eu avisei” nada pouco subtil. Para um treinador que quer ganhar a confiança de uma equipa que acabara de perder a sua figura paternal, não me parece muito acertado esta desresponsabilização quase inconsciente.
Outro exemplo é como, mais do que uma vez, culpabilizou um resultado negativo por falta de sorte. O Sporting tem de facto sido alvo de uma certa Lei de Murphy, mas o treinador não se pode desculpar aí e simultaneamente dizer que é o principal responsável pelo mau momento. Para além das várias lesões (Pote, Nuno Santos, Bragança, Morita, Inácio, Quaresma), contra o Santa Clara e Club Brugge, há decisões de arbitragem erradas contra o Sporting e, em Moreira de Cónegos, há bolas à barra que não entram por pouco. Se tudo isto tivesse corrido bem, talvez estivéssemos a elogiar João Pereira por estar a conseguir manter a série de vitórias, e estaríamos a interpretar as piores exibições da equipa como apenas uma fase de transição para as ideias do novo treinador. A realidade é que os resultados não aparecem e não é só por azar.
Até acredito que João Pereira tenha sucesso no futuro, talvez até no Sporting, mas nunca sem antes comprometer o presente do clube e o desejo do bicampeonato.
Frederico Varandas
Se para mim o principal responsável do momento do Sporting é Rúben Amorim, a cada dia que passa, Varandas fica cada vez mais responsável. Isto porque continua refém de uma má decisão na sucessão do treinador, decisão essa cujo único motivo de que me lembro para ainda não a ter retificado é orgulho ou uma confiança exacerbada de que João Pereira mais cedo ou mais tarde trará vitórias. Como disse acima, até admito esse cenário, mas nunca sem que antes as dores de crescimento que qualquer treinador jovem tem possam estragar a presente época.
A aposta em João Pereira há um mês era a meu ver válida. Arriscada, por ser um treinador com nenhuma prova dada na carreira, mas Amorim chegou num contexto parecido. Se o objetivo era continuidade, João Pereira era a escolha mais óbvia. Há 30 dias, a opção era válida. Hoje em dia, já não o é.
Não o é porque nem João Pereira é a pessoa certa no atual momento (o tal “erro de casting” que o próprio temia), como Varandas também não ajudou a que os adeptos tivessem paciência com ele. Para além das tais declarações de Amorim sobre a equipa jogar de olhos fechados ou até mesmo Rúben ter dito que João Pereira lhe podia roubar o lugar, o presidente do Sporting ainda elevou mais as expectativas, apresentando o novo treinador com uma arrogância de quem não admitia sequer a possibilidade de a coisa poder correr mal:
"Uma apresentação que acaba por acontecer sete meses antes do planeado. Foi uma escolha simples, natural.”
“Tenho muitas poucas dúvidas que o João Pereira daqui quatro ou cinco anos estará num dos clubes mais poderosos da Europa.” - Comentários de Frederico Varandas na apresentação de João Pereira como treinador do Sporting.
Vendeu aos adeptos uma realidade que para já não se está a realizar. Para além disso, parece nem o reconhecer. Por exemplo, o presidente do Sporting foi insultado em Brugge antes do jogo. A CMTV noticiou isso mesmo. No dia seguinte, Varandas interpela Pedro Neves de Sousa, jornalista da CMTV, desagradado com essa tal notícia:
"Não quer esperar por nenhum adepto de uma claque para insultar e fazer um grande momento de contestação... 160 mil sócios do Sporting CP!"
Não só criticou injustamente a CM, que simplesmente noticiou um facto, como ainda acha que apenas membros das claques estão descontentes com o seu trabalho. Todos os sportinguistas estão desiludidos neste momento. Em vez de o reconhecer e tomar as medidas necessárias para resolver o seu erro, prefere ser orgulhoso e potenciar divisões internas num Sporting que finalmente estava unido. Útil será relembrar que este comportamento não é novo: estamos a falar do mesmo presidente que insultou adeptos do Sporting e procurou virar sportinguistas contra sportinguistas.
Há ainda maneira de salvar a época do Sporting, indo buscar um treinador com provas dadas, que conheça a realidade portuguesa e que consiga pegar num balneário descrente na solução atual. Abel Ferreira parece-me ser a escolha mais óbvia, mas haverá outras. Podemos discutir se teria a competência para construir algo a longo prazo no Sporting ou não, mas a prioridade de 2024/25 tem de ser agarrar o bicampeonato que escapa há 70 anos, e não preparar o futuro.
Jogadores
Evidentemente que não são dos principais responsáveis, mas não estão isentos de culpas. O plantel que “jogava de olhos fechados” não pode deixar de o fazer em apenas 3 semanas com um treinador diferente. Perderam uma figura que respeitavam e com quem tinham ótima relação. É um ponto negativo, mas não pode condicionar desta forma o trabalho dos jogadores. Não se vê a mesma ambição em campo que tinham com Amorim e, se João Pereira é o responsável para os motivar, eles também têm de estar abertos a isso. Chorar sobre leite derramado e ficar a contar as horas para a abertura do mercado de transferências não é positivo para ninguém.
Conclusões
Posto isto, acho que ainda há salvação para a época do Sporting. O clube está na disputa pelos 3 troféus nacionais e numa boa posição na tabela da Liga dos Campeões. Isto aliado ao facto de nem Porto, nem Benfica estarem a apresentar um nível exibicional inalcançável. Há salvação, mas creio que é preciso atuar já: assumir o erro e procurar uma opção válida para treinador do Sporting.
Por muito que João Pereira venha a mostrar melhorias nas próximas semanas, por muito que venha um camião de reforços em janeiro, por muito que os adeptos tenham toda a paciência do mundo, creio que o bom momento nunca vai aparecer sem as tais dores de crescimento estragarem a época atual. A culpa nunca será do treinador pouco experiente, mas sim do superior que fez dele a última bolacha do pacote e do cérebro que abandonou o posto a meio da caminhada.
João Blanco
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