O que significa ser melhor
Uma análise ao que significa “ser melhor jogador”
Mas afinal, o que significa quando alguém diz que um jogador é melhor que outro? É melhor no quê? É mais rápido, é mais técnico, é mais inteligente na ocupação de espaços? Ou está num contexto que o favorece, onde as capacidades que tem vão de acordo ao que o treinador da sua equipa pretende, tendo assim mais impacto na sua equipa? Será o Messi melhor que o Ronaldo, ou estaria num contexto mais favorável em Barcelona? Será o Ronaldo melhor, ou as suas características iam de acordo ao que o Real Madrid procurava num extremo?
A pergunta não é de exclusividade nacional, logicamente. É universal as constantes comparações entre jogadores com características parecidas, passagens por clubes semelhantes, constantes comparações de troféus coletivos (para os quais basta terem jogado um minuto para fazerem parte delas), ou simplesmente porque vestiam ambos a mesma camisola número 10. Mas hoje, para simplificação e maior abrangência dentro do nosso público, vamos ficar por Portugal.
Há uns dias vi pelo Twitter/X uma acesa discussão, onde dois usuários se debatiam (naquela forma típica de redes sociais) sobre quem era melhor entre Hulk e Viktor Gyökeres. Previamente aviso que não tomarei partidos por qualquer um dos lados. Irei apenas expor porque é que o Gyökeres é melhor que o Hulk, e o Hulk é melhor que o Gyökeres. O objetivo é usar ambos os jogadores como “cobaias” para a mais típica comparação dos amantes de futebol, e os erros que quase todos cometem na tentativa de compreender quem é melhor, sabe se lá porquê.
Primeiramente, não irei logicamente negar que não existem jogadores superiores a outros. Esta comparação existe quando dois jogadores do mesmo patamar se encontram em disputa para ver quem leva o desejado trono de “melhor jogador”. Aos meus olhos, existem várias vertentes de comparação, sendo elas as qualidades técnicas e psicológicas (quase impossíveis de avaliar e comparar) demonstradas dentro do campo, o impacto que o jogador tem na equipa, e o contexto onde se encontra, que acaba por estar relacionado com a métrica anterior.
Vamos ao primeiro tema, as qualidades técnicas e psicológicas. Muitas vezes, o melhor jogador fica decidido logo através desta métrica. Quem marca mais golos, faz mais assistências, dribla melhor, passa melhor, ou qualquer outra métrica utilizada em prol do jogador que “é melhor”. Vou então chamar as nossas “cobaias”. Hulk, quando atuava no Porto, era um jogador muito superior a Viktor Gyökeres em termos técnicos, aliás, como é, por exemplo, Marcus Edwards ou Daniel Bragança. Fisicamente ambos muito parecidos, Hulk tinha ao seu dispor um drible desconcertante que causava tremores aos adversários, enquanto Gyökeres procura mais a sua longa passada e o uso do campo físico, também uma arma de Hulk. Ao nível da finalização, dadas as diferentes posições, é mais que normal a vantagem de Gyökeres, no entanto a finalização do brasileiro era mais ponderada, também mais recuada, enquanto o sueco “só vê baliza”, no bom sentido, não tivesse 50 golos em pouco mais de uma época. No campo aéreo, nova vantagem para Gyökeres, fruto da diferença de quase 10 centímetros entre ambos. Psicologicamente, sendo a métrica mais difícil de comparar (salvo raras exceções), declaro um empate técnico. A mentalidade de ambos é fortíssima, pelo que é muito complicado comparar e dar vantagem a algum.
No segundo “round” da noite, vamos ao contexto que ambos enfrentaram, e mais uma vez, não será fácil escolher um vencedor. Hulk fez parte daquela que provavelmente foi a melhor equipa da última década e meia em Portugal. Numa equipa onde jogavam jogadores como Helton, Otamendi, Guarín, João Moutinho, Falcão e James Rodríguez, é difícil escolher um contexto muito melhor para se atuar. Liderados pela juventude de um tal André Villas-Boas, o FC Porto respirava um dos melhores momentos dos últimos 20 anos do clube. Do lado de Viktor Gyökeres, o sueco chegou como a transferência mais cara de sempre do Sporting, sendo incluído num projeto onde o objetivo claro era o título, com o ponta de lança como principal figura da equipa. Num contexto de clara evolução em relação ao ex-clube (Coventry City), onde o futebol do Sporting tinha como alvo o sueco, o contexto é novamente muito positivo. Contextos positivos, momentos do clube muito favoráveis, e ambos com perspetiva de vencer todos os títulos nos quais competiam, com verdadeiras possibilidades de o fazer.
Hulk - FC Porto | Monster | Skills, goals, assists, emotions
Para finalizar a tão acesa disputa, concentramo-nos no impacto que ambos os jogadores tiveram. Esta talvez seja a métrica mais olhada e menos compreendida pelos gladiadores de redes sociais que vemos por aí. O impacto de um jogador não se traduz na sua qualidade. O impacto de um jogador é o resultado do contexto onde está incluído, e das suas características enquanto jogador de futebol. Neste aspeto, Gyökeres tem vantagem sobre Hulk. O Sporting de Rúben Amorim é muito mais dependente do goleador sueco, que o FC Porto de Villas-Boas era de Hulk, e porquê? Bem, porque como referido acima, havia jogadores como Falcão, James e companhia. Com isto não quero (nem é possível) desvalorizar jogadores como Pedro Gonçalves e Trincão, é simplesmente mais uma das métricas onde os jogadores jogarem em posições diferentes resulta numa deficiência na análise sobre “quem é melhor”. Em grande partes das equipas, haverá sempre um maior impacto dado através do seu “goleador” de serviço do que num extremo (a menos que sejam como Ronaldo e Messi). Aproveito desde já para referir que mesmo por isso, Falcão era um jogador mais impactante que Hulk neste Porto.
GYÖKERES | Sporting | Golos (2023/2024)
Posto isto, quem é melhor? Nenhum. E qual deles é pior? Exatamente, nenhum também. Como em grande parte das comparações feitas por esse mundo fora, o futebol é uma ciência tudo menos exata. As formações táticas são diferentes, as características dos jogadores são diferentes, o que é exigido pelo treinador é diferente, os contextos variam consoante o clube, o impacto que ambos têm varia de acordo com a posição de ambos e com o próprio contexto. Enfim, tudo influencia na escolha sobre quem é o jogador superior. No fundo, e na maior parte das vezes, estas lutam apenas existem porque um dos gladiadores gosta mais do Gyökeres, e o outro mais do Hulk, e utilizam todo e qualquer argumento semi-válido para que possam mostrar ao amigo do lado que o rival deixou de responder, assumindo assim a vitória numa rede social, contra um estranho que nunca voltarão a ver.
João Pinto
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