Operação Penalidade Máxima: Jogo de Valores
O que se sabe, até agora, sobre a investigação que pode ficar para a história do Futebol.
Mais uma semana, mais uma Cavadinha! Na ementa de hoje, temos um assunto crucial para o futuro do futebol não só no Brasil, mas em todo o Mundo. Manipulação de resultados? Contratos rescindidos? Paralisação do Brasileirão? O futebol brasileiro acabará? Com toda a repercussão que se tem havido nos últimos dias, estava quase anunciado que a Operação Penalidade Máxima é o tema a ser abordado, nada mais. É um assunto delicado, complexo, que merece ser devidamente explorado para o bem do futebol.
A Operação
Então, para os que não estão a par do que se passa, vamos por partes. O que é essa tal operação? “Operação Penalidade Máxima” foi o nome dado ao conjunto de investigações realizadas pelo Ministério Público do Estado de Goiás (onde surgiram as primeiras denúncias) e lideradas pelo GAECO1 que visam apurar eventuais casos de manipulação de resultados no futebol brasileiro. Até o momento, sabe-se que as investigações envolvem diversos jogadores, não se descartando a hipótese de outros intervenientes, como árbitros, estarem envolvidos. Mas como tudo começou?
Em novembro, o presidente do Vila Nova recebeu informações de que Romário, médio do clube, havia cooperado com o grupo de apostadores para cometer um penálti na última jornada da Série B. Assim iniciou-se, a 14 de fevereiro de 2023, a investigação, com a suspeita de envolvimento de uma organização criminosa em manipulação de resultados de três partidas da Série B do Campeonato Brasileiro. A operação chegou a Bruno Lopez, apontado como o líder do grupo e o responsável por contactar os atletas.
Através do líder deu-se, a 18 de abril, início a segunda fase da investigação (que, para além da GAECO, contou também com o apoio da CSI2), muito mais abrangente. Resultado foi o surgimento de mais denunciados, mais detenções preventivas e a passagem não só pela Série B, mas também pela Série A. Exatamente, há até mesmo atletas de grandes clubes do futebol brasileiro envolvidos.
Segundo o MP-GO3, há suspeitas de que o grupo criminoso tenha interferido em pelo menos cinco jogos do Brasileirão 2022, assim como em cinco partidas de campeonatos estaduais de 2023, entre eles os campeonatos goiano4, gaúcho5, mato-grossense6 e paulista7.
O esquema de apostas
Como foram concretizados os acordos? O grupo, através do Bruno Lopez, entrava em contacto com atletas (via redes sociais), oferecendo uma quantia em dinheiro para que esses cometam infrações — penáltis, expulsões e, sobretudo, cartões amarelos. Após fechar acordo com um grupo de jogadores, os apostadores realizam uma aposta múltipla (aposta em dois ou mais eventos em simultâneo), em que o retorno é muito maior.
Exemplo concreto é o caso abaixo, que consta na investigação: ao apostar 300 reais (56 euros8) no cartão dos cinco atletas, suspeitos de participar no esquema, e na vitória do Internacional (não há indícios de interferência nesse confronto), o apostador teria um retorno de mais de 110 mil reais (20 670 euros9), valor 366 vezes maior do que o investido.
A pessoa responsável por fazer a transferência dos valores para os atletas era a esposa de Bruno, Camila Silva da Motta. Tal se fazia em duas prestações: primeiro, um adiantamento era depositado, com o restante do valor a ser transferido após o resultado se confirmar.
Conforme as investigações, a conta bancária de Camila registou, em nove meses, uma notória movimentação de mais de dois milhões de reais (cerca de 390 mil euros) entre importes a crédito e a débito.
Os envolvidos
Com as duas fases de investigação, já se chegou ao número de 26 indivíduos denunciados: nove apostadores e 15 atletas. Para além de Bruno Lopez e Camila Motta, os apostadores divulgados pelo MP-GO são Ícaro Calixto, Luís Felipe Rodrigues, Pedro Gama dos Santos, Romário Hugo dos Santos, Thiago Chambó, Victor Yamasaki, Willian de Oliveira Souza e Zildo Peixoto.
Os 15 atletas denunciados são:
Allan Godói (defesa, Operário-PR);
André Luiz (médio, ex-Sampaio Corrêa);
Eduardo Bauermann (defesa, Santos);
Fernando Neto (médio, São Bernardo);
Gabriel Domingos (médio, Vila Nova);
Gabriel Tota (médio, Ypiranga-RS);
Igor Cariús (defesa-esquerdo, Sport);
Joseph (defesa, ex-Tombense);
Mateusinho (defesa-direito, ex-Sampaio Corrêa, hoje no Cuiabá);
Matheus Gomes (guarda-redes, sem clube);
Paulo Miranda (defesa, ex-Juventude);
Paulo Sérgio (defesa, ex-Sampaio Corrêa, hoje no Operário-PR);
Romário (médio, ex-Vila Nova);
Victor Ramos (defesa, Chapecoense);
Ygor Catatau (avançado, ex-Sampaio Corrêa).
Apesar de serem muitos nomes de atletas, apostadores e equipas, trata-se de um caso tão grave que não divulgar o nome dos indivíduos envolvidos nos crimes torna-se impensável. Destaque para atletas da Série A, como Paulo Miranda, que representou o Juventude, Matheusinho, do Cuiabá, e, acima de tudo, Eduardo Bauermann, que está no Santos, gigante do futebol mundial, onde recebe 220 mil reais (cerca de 41 mil euros) — valor acima, até, dos 50 mil pelos quais se vendeu.
Vale também referir que Kevin Lomónaco (defesa do RB Bragantino) e Moraes (defesa-esquerdo do Atlético-GO), além de quatro outros atletas, admitiram culpa e acordaram com o Ministério Público para servir como testemunhas na Operação.
Além dos denunciados, mais de 50 outros atletas foram citados, de alguma forma, nos documentos analisados nas investigações (como ‘screenshots’ de WhatsApp, ficheiros de áudio e folhas de cálculo). No processo não há confirmação da participação desses jogadores no esquema, por isso a reportagem não publica os seus nomes, que percorrem as Séries A e B, campeonatos estaduais e, até mesmo, campeonatos nos Estados Unidos.
A reação dos clubes
Como seria de esperar, quase todas as equipas com atletas investigados pelas denúncias do Ministério Público rescindiram o contrato ou afastaram os jogadores denunciados. Da lista que divulgamos acima, cinco tiveram o seu contrato rescindido, além de três terem sido suspensos enquanto as investigações continuam. Mesmo assim, surpreende que sete continuem a atuar apesar de estarem possivelmente envolvidos nos casos de manipulação.
Por outro lado, há, também, clubes que se anteciparam à apuração da Justiça e optaram por afastar preventivamente os jogadores citados no processo, mesmo sem que esses estivessem oficialmente denunciados. Foi o caso de: Vitor Mendes (Fluminense), Pedrinho e Bryan Garcia (Athletico-PR), Richard (Cruzeiro), Raphael Rodrigues (Avaí), Nino Paraíba (América-MG), Alef Manga e Jesus Trindade (Coritiba) e Max Alves (Colorado Rapids).
Assim, são já mais de 15 os atletas suspensos ou dispensados pelas suas respetivas equipas devido à Operação Penalidade Máxima, com a expetativa de ser um número ainda maior a medida em que a investigação avançar.
Possíveis Consequências
Tratando-se de uma operação dessa magnitude, é difícil afirmar qual impacto essa terá no futebol brasileiro, mas parece inquestionável que será grande. Já de partida, os campeonatos perdem um pouco da sua credibilidade, com todos os lances polémicos que acontecerem (e tiverem acontecido nos últimos anos) a serem postos em causa pelo público. Será que há/houve algum envolvimento?
E as arbitragens polémicas? A realidade financeira dos árbitros é inferior ao dos atletas. O que impediria algum árbitro de estar também envolvido? Felizmente, a Operação Penalidade não registou, até o momento, qualquer denúncia relacionada a algum membro de arbitragem.
Outro ponto que se abre é a abrangência desse tipo de casos. Qual a probabilidade do Brasil ser o único país em que se deu manipulação de resultados mediante apostas ilegais? Se a investigação, ainda em estágio relativamente inicial, já chegou aos Estados Unidos, o que impede a existência de casos em qualquer outro país? Estará à porta um escândalo não só nacional, mas global?
O que é sabido, hoje, são os casos no Brasil. Assim, de forma mais concreta, quais serão as consequências para os evolvidos? Relativamente aos apostadores, a punição prevista é de prisão de dois a seis anos, além de multa. Aos atletas, segundo o Código Brasileiro de Justiça Desportiva, cabem duas opções:
Artigo 243-A: previsão de multa de até 100 mil reais, seis a 12 partidas de punição e suspensão de até um ano (360 dias).
Artigo 242: previsão de multa de até 100 mil reais e eliminação do desporto.
Vemos, assim, que os atletas envolvidos podem mesmo ter posto a sua carreira a perder ao se envolver com o crime organizado, com uma expulsão do futebol como punição possível. Espera-se que, com a conclusão das investigações, os responsáveis sejam punidos conforme a lei e que o futebol no Brasil possa se fortalecer.
O futebol brasileiro é uma paixão nacional e a Operação Penalidade Máxima visa justamente garantir a integridade e a transparência da modalidade. As investigações continuam em andamento e novas informações podem surgir a qualquer momento.
Lucas Lemos
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Outros textos:
(“GAECO”) Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado.
(“CSI”) Coordenadoria de Segurança Institucional e Inteligência.
(“MP-GO”) Ministério Público do Estado de Goiás.
(“goiano”) Relativo ou pertencente ao estado brasileiro de Goiás.
(“gaúcho”) Relativo ou pertencente ao estado brasileiro do Rio Grande do Sul.
(“mato-grossense”) Relativo ou pertencente ao estado brasileiro do Mato Grosso.
(“paulista”) Relativo ou pertencente ao estado brasileiro de São Paulo.
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