A Renovação de Guardiola
Renovar com Guardiola é o passo certo para o sucesso a longo prazo ou a confirmação da dependência que o projeto do Manchester City tem do seu treinador?

Imaginem Pep Guardiola ser alvo do famoso cântico “You’re Getting Sacked In The Morning” (Vais Ser Despedido Pela Manhã, em português), que os adeptos britânicos cantam para o treinador rival após uma derrota marcante do próprio. Parece impensável que o, para muitos, melhor treinador da história do futebol seja o visado. Porém, aconteceu isso mesmo, após a derrota do Man City por 2-1 frente ao Brighton no dia 9 de novembro. Ainda assim, os citizens decidiram renovar o contrato do treinador espanhol, que terminava no final do ano.
A escolha parece lógica. Apesar de nos últimos 4 jogos o Man City ter 4 derrotas, algo que nunca tinha acontecido na carreira de Guardiola, há coisas que se sobrepõem ao alarido que esses resultados negativos provocaram. À cabeça, os 18 troféus que o treinador ganhou pelos citizens, desde que chegou ao clube em 2016. Entre eles, a tão desejada Liga dos Campeões (2023) e 4 Premier Leagues seguidas (2020-2024), algo que nunca outra equipa conseguiu fazer.

Para além destes troféus, Guardiola conseguiu criar algo muito maior: um legado. O Man City já tinha vencido a Premier League uns anos antes de chegar o espanhol, mas nunca atingiu o domínio que Pep criou. Na altura, talvez o United ainda fosse o clube mais bem sucedido de Manchester. Agora, os citizens discutem todas as épocas o estatuto de maior clube do mundo, muitas vezes batendo-se com o Real Madrid. Esta hegemonia veio com uma cultura vencedora, com a atração de melhor talento (Haaland, Rodri, Rúben Dias, Bernardo Silva), uma expansão da marca inacreditável, etc. Guardiola foi uma peça fundamental do processo.
Nem se trata de uma questão de eterna gratidão: Guardiola ainda tem imenso valor. Eu até diria que tem mais valor exatamente pelo momento que clube vive, visto que não há ninguém mais motivado em dar a volta à situação do que o espanhol. Poucas pessoas no futebol têm essa garra e ambição de quererem ser desafiadas todos os dias e lidarem bem com isso. Pep é uma delas.
Porém, os desafios não surpreenderam os mais atentos. Guardiola sempre disse que esta época seria muito difícil. Pelas expectativas que esta super equipa criou, pela sobrecarga de um calendário com cada vez mais jogos (o que provocou perdas importantes por lesão, como a de Rodri), pela dificuldade em motivar um plantel que já ganhou tudo e que se encontra constantemente pressionado pelas 115 acusações judiciais de que o Man City está a ser alvo. Estas são explicadas pelo nosso José Maria Pinto no reels em baixo:
“É um desafio difícil, mas eu estou aqui”, disse Guardiola após a terceira derrota seguida, a derrota por 4-1 frente ao Sporting. “Vai ser uma época difícil - sabíamos isso desde o início. Mas é assim que as coisas são. Gosto, adoro, quero enfrentá-la, dar ânimo aos meus jogadores e tentar”.
Também questionado sobre os rumores que o ligavam à seleção brasileira, respondeu em tom de brincadeira: “Depois de uma derrota por 4-1, já não sou uma opção”, antes de acrescentar que “mais do que nunca, quero elevar a equipa e voltar a colocá-la ao seu melhor nível”.
Apesar de ter negado a hipótese imediata de representar a seleção brasileira, houve a hipótese real de se tornar o selecionador nacional inglês. Porém, com a escolha de Thomas Tüchel para a posição, Guardiola tomaria sempre uma de duas decisões na minha opinião:
Optar por um período sabático (como fez após sair do Barcelona), tanto para descansar, como para que novas vagas de emprego surgissem, nomeadamente em seleções nacionais;
Renovar com o Manchester City, dando continuidade aos seus últimos mais de 8 anos de trabalho.
Optou pela segunda hipótese, que traz um grande risco: o manchar do seu legado. Vamos pegar nos 1% de hipóteses de Guardiola não conseguir dar a volta à situação (sendo que eu acho que vai conseguir dar). Num mundo tão imediato como o de hoje e num contexto tão exigente como o da Premier League, será que os adeptos conseguirão lembrar-se mais daquilo que Pep conquistou em vez dessa hipotética má época de despedida? Eu creio que sim, como vimos até no exemplo de Wenger no Arsenal, mas o risco virá sempre.
Há também riscos da parte do Man City. O quão é Guardiola parte de uma máquina e não a máquina em si? Até há uns dias, o seu contrato acabava no verão, e ainda não existia nenhum sucessor definido. Todos os seus melhores discípulos estão em projetos de topo (Arteta no Arsenal, Maresca no Chelsea, Kompany no Bayern). Mesmo que não estivessem: que treinador de topo quererá assumir o Manchester City com o peso do legado de Guardiola? Essa frustrante busca por um sucessor leva a que Guardiola seja a opção mais óbvia para o curto prazo.
Mas e o longo prazo? Como poderá estar a ser preparado? Guardiola tem sequer algum substituto à altura? O City continuaria a conseguir atrair talento e a ganhar como tem feito? Hugo Viana certamente não irá conseguir resolver isto tudo. Na perspetiva do português, a renovação de Pep até lhe facilita bastante os primeiros meses de trabalho, como esclarece António Tadeia num texto seu.
Enzo Krieger, adepto do Man City e fundador da página City_XtraPT, está muito tranquilo relativamente ao futuro do clube:
“O sucesso do City está intrinsicamente ligado a Guardiola. Porém, isso não significa que a equipa depende dele para competir ou conquistar coisas. Claro que não vencerá como vence: afinal Pep é o melhor do mundo, talvez até de todos os tempos. A estrutura do clube tem completa noção do que fazer, como fazer, quando fazer e entendem que “aproveitar” o catalão é um privilégio. Hugo Viana chegará a essa base e somará muito, sempre de modo a alavancar o desempenho geral do clube.”
Acho que a decisão de renovar com Guardiola é mais do que acertada, talvez mais para o Manchester City do que para ele, que não tem absolutamente nada a provar ao nível do futebol de clubes. Porém, deixa grandes dúvidas sobre como será o projeto do Man City a longo prazo, visto que, sem Pep, não era tão vencedor e não era nem de perto, nem de longe o melhor clube do mundo.
Para os fãs de futebol, acho que são boas notícias. Termos o privilégio de ver Guardiola a tentar superar-se de 3 em 3 dias no campeonato mais mediático do planeta é entusiasmante. Vê-lo a continuar a lutar com Ancelotti, Arteta, Arne Slot e agora com Amorim entreterá sem dúvida alguma. Poderá continuar a elevar a fasquia deste desporto, obrigando a que outros treinadores façam o mesmo para o conseguir superar. Apesar de poder significar alguma maior previsibilidade na Premier League, tendo em conta o quão dominante tem sido o Man City, acho os pros muito maiores do que os contras. Enzo Krieger também acha a decisão benéfica para todos:
“Sim, a decisão é acertada e a melhor possível para ambos: Pep segue no ativo até o início do ciclo do Mundial de 2030, quando poderá assumir uma seleção no início (após o Mundial 2026) ou optar por permanecer no City; enquanto o clube mantém o treinador que elevou o nível do clube.”
O City continua a ser uma equipa de topo mundial, com um dos melhores treinadores da históra. Irá estar sempre na luta por títulos até final do ano. Enzo Krieger fala das hipóteses que o clube tem de ganhar a Premier League ou a Champions este ano:
“É muito cedo para dizer, mas a confiança no trabalho de Pep e dos jogadores sempre está lá. Sem o Rodri será 10 vezes mais difícil, mas estaremos sempre prontos. Acredito que pelo menos um troféu será levantado no final da época, mais provavelmente o da PL, mas não me surpreenderia se fosse uma UCL.”
Este constante desejo de ser melhor vai ser já posto à prova neste sábado contra o Tottenham: se perder, serão 5 derrotas seguidas; se ganhar, será o início do pontapé na crise. Será um prazer assistir, señor Pep.
João Blanco
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