As origens de um dérbi Lisboeta diferente, mas igual.
Exploramos a história deste dérbi eletrizante e furioso, em antecipação ao duelo que potencialmente decidirá o destino do campeonato nacional.
Atenção - Artigo centralizado e não apropriado para o Jorge Nuno de Lima Pinto da Costa e outros defensores do Futebol Clube do Porto.
Pouco mais de três quilômetros separam o Estádio da Luz do Estádio José Alvalade. A Avenida General Norton de Matos, também conhecida como a ‘Segunda Circular’, distingue-se de duas grandes paixões, e pinta-se com as duas principais cores da bandeira portuguesa - apto, para representar a importância e grandeza deste duelo histórico do futebol português, o pináculo do desporto rei em Portugal, e um duelo respeitado pela Europa fora.
Pouco depois do ‘Derby della Madonnina’, temos o prazer de cobrir o ‘Clássico da Segunda Circular’ aqui no ‘Letra e Vírgula’ - mais uma das mais antigas e intensas do futebol mundial, com origens mais antigas que o clube Italiano que recentemente confirmou o seu lugar na Final da Liga dos Campeões.
Ao longo dos anos, o mundo mudou drasticamente. A bolha do futebol seguiu forte até durante os tempos da Segunda Guerra Mundial, mas claro que mudaram alguns pormenores.
Em 1907, jogava um recém-nascido Sporting Clube de Portugal com as ambições elevadas de José de Alvalade, e o apoio financeiro do seu avô e eventual presidente do clube, Alfredo Augusto das Neves Holtreman (o Visconde de Alvalade), numa casa emprestada à respeitada instituição, Sport Lisboa (ainda sem instalações próprias no período pré-Benfica, um grande motivo atrás da fusão eventual).
Antes nem campo próprio, e hoje, a casa Benfiquista até encontra-se em Londres (quase), e o nome na casa de Sunderland. Em Portugal já não há quem consiga replicar a grandeza, as lotações, nem a tecnologia (se as luzinhas acrescentam a experiência? Deixo isso com vocês, e o Blanco).
O rótulo de clube elitista ainda hoje está colado ao Sporting e não há dúvida alguma quanto ao código genético leonino. O clube nasceu no seio da aristocracia lisboeta, em círculos muito próximos da família real, e a reputação do ‘clube das elites’ sempre se manteve.
Começou-se tudo com o dinheiro do avô de José Alvalade, e para comprar um bilhete na bancada Central do Estádio José Alvalade em 2023, não é apenas necessário dinheiro do avô, mas da família toda. Apenas viável uma Gamebox para a próxima época desportiva com uma campanha de crowdfunding no GoFundMe.
Um grupo de rapazes, nascido entre as melhores famílias já tinham antes formado o SC Belas e mais tarde o Campo Grande Football Club que fartaram-se do lado social em que a instituição de Campo Grande se tinha especializado.
A data de fundação do Sport Lisboa e Benfica (devido a fusão entre ambas entidades) é alvo para picar o Benfiquista ferrenho, mas as origens do Sporting Clube de Portugal começam em 1902 com este clubes anteriores, e não 1906 - 1 de Julho 1906 apenas significa a data da assembleia geral que acolheu uma sugestão de António Félix da Costa Júnio, para que o nome do clube passasse a Sporting Clube de Portugal.
Procurou-se finalmente criar um clube com sucesso desportivo na mente, com o objetivo de formar "um grande clube, tão grande como os maiores da Europa". Em 1964, atingiram o objetivo no mundo do futebol, tal como em dezenas de modalidades respeitadas. Em 2024? É melhor não verificar as expectativas do Sportinguista comum para o futuro próximo.
E os sucessos de ambos clubes nas competições europeias mudou, sem margem mínima para duvidas (com um abraço para um senhor Bela Guttmann)
Mais - apenas em 1920 a data de 1 de Julho foi rectificada como fundação do Sporting, dia onde o clube oficialmente assumiu o nome que ainda hoje detém. Tal facto não serve como alfinetada para picar amigos ‘lagartos’, mas não é necessário - antecipar a data da sua fundação? Durante anos, a identidade do clube nunca foi claríssima - tal como hoje, onde o nome ‘Sporting Lisbon’ é igualmente conhecido pelo mundo fora.
Entretanto já passaram mais de 115 anos desde aquele mítico 2-1 a favor dos ‘leões’, o primeiro de muitos jogos emotivos a definir ‘rivalidade’ em Portugal. 1 de Dezembro, 1907 - quando tudo começou.
Em 2023 fala-se de meninos mimados (uns até falam de Fortnite), mas em 1907, eram os jogadores a desmontar os postes e recolher as redes - a fazer o trabalho dos pais dos filhos envolvidos no futebol amador num domingo à tarde.
Apesar da suposta humildade dos protagonistas, nem sempre houve aquela aura de ‘clube do povo’. Muito menos antes de 1908, ano onde se juntavam Sport Lisboa, e Benfica. Benfica trouxe o campo, Sport Lisboa os atletas de alto nível onde muitos representavam uma posição social elevada, apenas a origem dos clubes pré-fusão eram dignos de tal apelido.
O clube que um dia ‘teria’ cerca de seis milhões de adeptos espalhados pelo mundo nasceu humildemente a 28 de Fevereiro de 1904 nas traseiras da Farmácia Franco em Belém. Foram 24 os fundadores do Sport Lisboa que ficaram gravados para a história, mesmo com a ausência de Cosme Damião, que esqueceu de se incluir na lista redigida com 23 nomes.
Humildade entre superioridade que pouco encontra-se no futebol moderno.
Januário Barreto era médico, agora Florentino Luís cuida e trata do meio-campo. Couto, arquiteto, onde hoje Antônio Silva brilha em construção. Pedro Guedes abraçava a carreira de pintor, e hoje David Neres avança sempre a respeitar a arte do jogo, a pintar com a bola nos pés no seu quadro entre as quatro linhas. Apenas Fredrik Aursnes apresenta tal versatilidade em campo onde anteriormente mostrava-se entre profissões.
Cosme Damião e António Rosa Rodrigues capitaneavam e orientavam as suas equipas, como era prática comum nesse tempo - já não é o caso, mas devido ao planeamento da época desportiva leonina, Rúben Amorim certamente não prejudicaria o plantel em dar mais uma opção.
Há coisas que não mudam.
Onde os Sportinguistas ferrenhos atualmente sentem e lamentam a traição de quem ultrapassou a linha dividida entre o vermelho e verde de Lisboa após anos de ‘Leão’ ao peito (um beijinho às cláusulas anti-rival), tudo começou com José da Cruz Viegas, Emílio de Carvalho, Albano dos Santos, António Couto, António Rosa Rodrigues, Cândido Rosa Rodrigues, Daniel Queirós dos Santos e Henrique Costa.
E não foram os únicos…(Os mais atentos e fiéis já viram no Tiktok do projeto - @SetentaEOito_)
As condições que José Holtreman Roquette apresentou, convenceu aos elementos do Sport Lisboa (ou seja, tendo um campo propriamente do clube).
Melhor em 1907 do que 2004, reservo algumas dúvidas acerca da capacidade negocial da criação de Tomás Taveira. (Obrigado Frederico Varandas, pelas cadeiras verdes)
Haverão coisas, que não irão mudar com este jogo.
Nos 288 jogos disputados, a vantagem histórica vai seguir encarnada - são 126 vitórias das Águias contra 104 dos Leões - com 58 empates pelo meio.
Os maiores resultados alcançados serão quase impossíveis de superar - 7-2 a favor da equipa Benfiquista na temporada 1945-46, e o famoso 7-1 a favor da equipa Sportinguista na temporada 1986.
O maior resultado já alcançado pelo Benfica, no dérbi, foi um 7 a 2, na temporada 1945/46. A seu tempo, o Sporting aplicou um sonoro 7 a 1 contra o Benfica na temporada 1986-87.
Na lista dos atletas mais assíduos neste confronto, encontram-se figuras para marcar gerações - Nenê lidera a lista, em segundo, aparece Mário Coluna (1954-55 e 1960-70), igualmente do Benfica, uma lenda do clube e desporto-rei em Portugal que atuou 37 vezes, e pouco atrás com 36 aparece João Azevedo a representar o Sporting (1935-52).
A lista dos melhores marcadores não vai desiludir ninguém - Fernando Peyroteo (1937-49) tem a melhor média de golos por jogo desde que alguém começou a querer saber de dados e estatísticas no futebol (onde hoje em dia, ninguém consegue escapar) - em 28 encontros, foi às redes 31 vezes. Ele é seguido pelo miúdo que ele lançou na Seleção Nacional, mas que como ícone do jogo, conseguiu ultrapassá-lo - só podia ser o pantera negra, Eusébio (1960-75), autor de 27 gols em 28 jogos.
Encontram-se novas figuras para marcar este jogo, e escrever uma nova página na linda história do dérbi de Lisboa.
Novas, se não aparecer Rafa Silva com mais um jogão para decidir o encontro. Já vão 9 contribuições diretas para golo em 23 encontros contra o Sporting.
Gonçalo Ramos, com os seus dois golos no último encontro entre os gigantes, e outras contribuições para golo frente ao Futebol Clube do Porto, não procura desiludir como goleador das grandes ocasiões. Olhos estarão igualmente no João Mário, rejuvenescido, nem que seja de penálti, só mesmo para picar.
Do lado de casa, Franco Israel irá substituir Antonio Adán (e Paulinho) como ‘número um’ para este encontro, e o Uruguaio procura replicar uma exibição mítica ao estilo do Romain Salin, e não de Mile Svilar.
Isto com ou sem email a parar aos ‘spam’. Só o Sporting…
Nunca se sabe, ao estilo de Paíto, podemos descobrir um novo herói para afetar o resultado final diretamente, ao estilo de Arthur Gomes frente ao Tottenham. Ou pode mostrar os dentes, o guarda redes preferido do teu guarda redes preferido, Joao Paulo Dias Fernandes.
Algo é certo - dérbi que é dérbi, não alinha perfeitamente com resultados no histórico, nem forma das equipas. Pode acontecer tudo, o mais provável até é que já aconteceu.
Vai haver um jogo de prioridades, de motivações, de direitos e honra. Uns querem manter dignidade, outros querem criar memórias e inventar um 'salão de festas’ ao fechar a época no lugar merecido com uma jornada de antecedência. Dificilmente, será possível de perseguir o terceiro lugar, mas o Sportinguista comum prefere focar nas idas ao concerto dos Coldplay e a gestão de carga física de Ruben Amorim.
Benfiquistas querem uma equipa que jogue ‘à Benfica’, e com o ADN do clube, certamente estarão mais perto do tanto desejado titulo assim, enquanto os Sportinguistas querem luta, evitar o gozo, uma pequena salvação da época desastrosa com uma equipa ‘à Sporting’. Jogar pela honra dos adeptos, ou pelo menos aqueles que não dão lugar aos rivais nos setores de casa para Domingo. É muito falado. Perder parece nunca significar ‘jogar a y ou x’. Na realidade, importa apenas sair superior. De qualquer maneira.
Um jogo sem igual no calendário. Importa esse bocadinho mais que os outros. Quem quer contrariar, quer mentir. Ao perceber o que vale para os adeptos e o efeito que este jogo tem sobre o povo deste pequeno mas grande país, certamente iremos acompanhar ao jogo inesquecível da época.
Que hajam jogadores a respeitarem a grandeza, exigência e emoção do jogo, e que apresentam futebol para acompanhar.
Que haja rivalidade saudável, mas com mínima noção. Aprender com o passado. Deixar o grande protagonismo para aqueles dentro de campo.
Menos a arbitragem, esperemos. Menos polémica com decisões e critérios. Mais foco naquilo que joga-se dentro de campo, que acrescenta à grandeza do jogo Português.
Vá, menos lances Luisão - Ricardo (e deixo a discussão com vocês).
Força, João Pinheiro e equipa, sem pressão.
Nem uma faca corta o ambiente que se sente sem explicação, e nem a Segunda Circular consegue dividir Lisboa entre Benfica e Sporting. Domingo, 21 de Maio, é dia de Dérbi Lisboeta, e potencialmente, a noite de decidir se não apenas Lisboa, mas Portugal, virá vermelho de novo.
Kevin Fernandes
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