Deixem os nossos jogadores em paz!
Mundial em dezembro, final da Nations League a meio de junho, Champions em modo fast and furious, mais jogos, mais cansaço, mais competições...mais tudo - é isto que queremos para o futebol?

Desde pequeno que esta altura do ano simboliza, para mim, um período de meses menos atarefados e de descanso. Mas, se em pequeno, percebia que os meus pais continuavam mais ou menos com o mesmo ritmo de trabalho, hoje vejo que eles não são os únicos: que o digam os jogadores de futebol.
É certo que, por esta altura, já só entrem em campo os nossos sub-21 e que, fora isso, as pausas de férias estão a ser aproveitadas pelos restantes jogadores, mas esta época que se passou foi, no mínimo, desgastante.
Entre o começo dos campeonatos e das competições, lá por agosto, até ao seu término, em junho – em termos de calendário europeu –, foram disputados campeonatos, qualificações para o Euro, Nations League, e até um Mundial em dezembro. Ficam algumas questões: quem é que beneficia com este acumular de jogos e competições? O telespectador prefere menos jogos com mais qualidade ou um calendário mais preenchido, mas menos recheado de emoção, devido à menor performance dos atletas? E os jogadores? Onde é que andam eles no meio disto?
Mais competições e mais jogos…será apenas mais do mesmo?
Nations League, Golias contra Golias e David contra David
A Nations League é uma competição que ainda anda de gatas – tem apenas 3 edições sendo que as duas últimas têm uma estrutura diferente da primeira. O objetivo da sua criação foi simples: ocupar as datas de amigáveis internacionais com jogos de maior interesse em que existisse algum proveito tirado dos mesmos: uma nova competição europeia que fizesse os adeptos terem mais jogos de interesse para ver, maior probabilidade de verem confrontos de alta qualidade e maior hipótese de ver as seleções de menor gabarito alcançar vitórias e acesso a fases finais. Os pontos referidos estão relacionados: o formato competitivo da Nations League promove confrontos entre os melhores e entre os menos bons:
Estes foram os grupos da Nations League na sua primeira edição, em 2018. Logo por aqui notamos logo a quantidade de bons jogos que foram proporcionados por esta competição graças aos grupos compostos pelas seleções mais cotadas. Por outro lado, vemos um cenário invulgar, seleções muitas vezes empurradas para o fundo das tabelas classificativas devido à sua ausência de competitividade face a seleções melhores, a competir com pares e a poderem sair por cima. Vejamos Gibraltar: nesta edição da competição, em 2018, conseguiu duas vitórias em jogos internacionais e lutou por qualquer coisa mais que apenas marcar golos de honra – este ano, nos quatro jogos que fez de apuramento para o Europeu, perdeu sempre por 3-0 frente a Irlanda, Países-Baixos, França e Grécia. Para além do mais, existem vagas de apuramento para o Europeu a serem atribuídas a seleções em função do seu desempenho na Nations League, incentivando, ainda mais, a um momento de verdadeira competição e possibilitando as seleções com menos recursos de chegar a uma fase final.
O modelo foi alterado, e as seleções de topo estão agora inseridas em grupos de 4 – mais dois jogos a fazer para os jogadores dessas nacionalidades. As críticas e a defesa desta competição passam por vários pontos: temos jogos de elevada qualidade e competitividade e é promovido o acesso de seleções com menor dimensão a fases finais de competições internacionais. De outro ponto de vista, esta competição não é tida como um troféu ao nível dos restantes, em comparação com os restantes troféus internacionais e são mais jogos a fazer para um calendário já apertado.
Um exemplo das críticas feitas a esta competição prende-se com o que aconteceu este ano. No final de uma época esgotante para maioria dos jogadores, em especial para os que têm deveres em seleções de maior nível, vários jogadores tiveram que encarar mais dois jogos com um título em jogo. Como se já não tivesse bastado o mundial feito no Inverno, a FIFA e a UEFA consideraram sensato dar ainda mais um título a disputar nesta reta final de temporada, com jogadores cansados e esgotados. Valerá a pena?
Conference League, a oportunidade para voos de menor altitude
Falando da Conference League, existem dois pontos importantes para refletir. Em primeiro lugar, notar a diferença e a semelhança entre o conceito da Nations League e da Conference: a semelhança está no facto de se ter tentado dar um espaço a equipas habituadas a menos protagonismo, dar-lhes espaço, vitórias e a possibilidade de fazerem história. A diferença está no facto de apenas o calendário de um reduzido número de equipas se alargar – no entanto, alarga com uma quantidade considerável de jogos. O primeiro objetivo tem sido cumprido: o nível não é de Champions, é certo, mas estas equipas, algumas sempre fora de maiores voos, têm a oportunidade de brilhar. A Roma não vencia um título desde 2008 até vencer a estreia desta competição. O West Ham não adicionava um troféu digno de nota ao palmarés desde 1979. Aquilo que os adeptos ingleses viveram com esta vitória foi inexplicável: o seu clube ganhou algo, mais que algum bom lugar na Premier ou uma boa campanha na FA Cup. Abaixo, a reação de um rapaz, lavado em lágrimas de felicidade, depois de ver o West Ham ser campeão da Conference:
O lado mais contestado – mas pouco – nesta competição pode estar no facto de colocar certas equipas, que têm dificuldade em acompanhar um calendário tão competitivo, a verem a sua época prejudicada num todo pela participação na Conference – embora sejam livres de abdicar da sua participação. Aliás, em Portugal isso é uma realidade que é conhecida: nas competições europeias, fora os três grandes e o Braga não existe grande competitividade para jogar na Europa. No final desta época, o Chaves anunciou logo que, mesmo ficando em lugar de Europa, nunca disputaria competições europeias por não ter capacidade para tal. Mas no fundo, isto é um não problema – quem não quiser não participa - e serve para incentivar as equipas abaixo do nível de Liga Europa a jogarem por mais e terem mais oportunidades.
Algumas das tendências que ajudaram a criar as duas competições anteriores são as mesmas que fizeram com que o modelo da Champions se altere e que o Mundial de Clubes passe a ter 32 equipas. Quer fazer-se mais jogos no mesmo período de tempo, gerar mais receitas e, no caso do novo modelo da Champions, promover um maior número de jogos entre clubes de maior qualidade.
Na minha opinião, não faz sentido sair do formato tradicional e adicionar ainda mais jogos ao calendário europeu das equipas de futebol. Apesar de concordar com a criação da Nations League – embora o seu formato devesse ser minimamente debatido – e me faça total sentido a existência de uma competição como a Conference League, a saída do modelo tradicional na Liga dos Campeões parece-me uma tentativa de fazer algo minimamente semelhante à Superliga. Seriam mais jogos e um modelo de competição no mínimo questionável – numa liga com mais de 30 equipas, faz-me certa confusão a criação de um modelo que coloque as equipas a competir numa classificação geral embora apenas defrontem 8 equipas das 36.
Apesar disso, esta decisão não me surpreende. Historicamente, o estilo de decisão das grandes instituições do futebol tem sido este: porque não ter mais jogos para gerar mais receitas? Porque, em última análise é muito disso que está em causa: mais jogos, mais direitos televisivos, mais marketing e mais receitas. Um excelente exemplo disso é o Mundial de 2026. O alargamento de 32 para 48 equipas e a estimativa de mais 605 milhões de euros adicionais em receitas. E em último caso, parece ser isso que conta. O Mundial e o Euro são sobre a festa do futebol, é verdade. A festa dos grandes, dos pequenos, das histórias, das surpresas e das decepções. E com mais 16 equipas mais histórias se escreverão, é certo. Mas, valerá a pena? O nível de qualidade dos jogos irá, naturalmente, diminuir, com mais seleções de um nível mais baixo a jogarem e o nível de jogos a elevar-se apenas nas fases mais avançadas da competição.
Olhemos para os Euros: nas últimas duas edições tivemos 6 grupos de 4 equipas, contra os apenas 4 grupos das edições anteriores. Para além disso, além dos dois primeiros lugares de cada grupo avançarem, ainda passam os quatro terceiros melhores lugares. É mais difícil ficar de fora do que prosseguir na competição com 16 equipas a passarem e 8 a ficarem pela fase de grupos. Vejamos o percurso de Portugal no Europeu de 2016 – apenas na final jogamos contra uma equipa candidata a vencer, uma verdadeira potência, mas, no fundo, isso é expectável, pois estamos a olhar para um Euro que conta com apenas menos 8 equipas que um Mundial e, por isso, o número de seleções mais fracas em competição será maior. Devia dar que pensar. E, é verdade que em 2021 não foi assim: jogamos contra França, Alemanha e Bélgica – se tivéssemos passado até à final jogaríamos ainda com Itália, Espanha e Inglaterra – mas o que é certo é que a facilidade de chegar a uma fase final dá maior desinteresse às qualificações e nas próprias fases finais teremos inúmeros jogos que nos irão dizer pouco.
Mundial em dezembro - como desestabilizar o ecossistema do futebol
Para terminarmos esta conversa faz sentido olhar para apenas mais um ponto. O mundial do Qatar. Embora emocionante e cheio de grandes jogos – para além da grande história – há coisas que não se apagam. Quer a forma “turbulenta” como foi dada a organização ao Qatar, a altura do ano em que se realizou ou todas as questões de direitos humanos que foram ficando pelo caminho. Mas foquemo-nos no tópico que aqui nos trouxe, o calendário excessivo de jogos e a despreocupação da FIFA, UEFA e companhia para com os jogadores.
Foi decidido fazer um mundial com início no fim de novembro e fim a meados de dezembro. Foi decidido que a Champions teria que dar corda aos sapatos e fazer 2 jornadas a cada 3 semanas pois, a fase de grupos, que costuma terminar no início de dezembro, teria que ter fim um mês antes. A carga de jogos nessa fase a somar ao esforço de disputar uma competição de tão alto nível como um mundial, competição em que se joga com dias de diferença, entre novembro e dezembro e (quase) sem pausas foi de uma dureza inexplicável.
O sindicato mundial dos jogadores fez vários inquéritos sobre o mundial e a condição física dos jogadores ou as suas opiniões face a tudo o que iria acontecer. Apenas 11% dos jogadores achou correto o timing do mundial naqueles meses e 53% ficou lesionado ou sentiu maior probabilidade de se lesionar graças à carga a que estavam a ser sujeitos. Tendo em conta os anos anteriores, vimos que o número de lesões musculares aumentou significamente esta época: até à jornada 28 da Premier, existiram 269 lesões deste género, sendo que no ano passado existiram apenas 240 e, no ano anterior, 205.
Tudo isto vai parar ao mesmo ponto: estão a apostar mais na quantidade que na qualidade. Os jogadores estão a ser ignorados pois as receitas que se obtêm em retorno, parecem compensar para quem as ganha. Nós, espetadores, não temos palavra a dizer e vamos vendo cada vez mais jogos, mesmo que tenham menos qualidade, e vemos mais jogadores cansados e lesionados nas equipas que apoiamos e nas equipas dos adversários.
“Give us a break”
Bruno Fernandes fez 70 jogos esta época. Bernardo Silva 67. Modric terminou a época dia 18 de junho, depois de 66 jogos, um Mundial em que chegou ao 3º lugar – fazendo a totalidade de jogos possíveis, e uma edição de Champions League em que ficou pelas meias finais – jogando menos um jogo que o máximo possível na competição. Enzo Fernández chegou ao Benfica com 31 jogos nas pernas. Depois disso, fez mais 61 jogos, com direito a vitória no mundial pelo meio. Não será demais para um jogador? Ver jogos com tanta frequência e durante tanto tempo é o melhor para os espetadores, mesmo que se note o cansaço e as fragilidades dos jogadores? Pois, para os jogadores, jogar tantos jogos e tão pouco espaçados é prejudicial e nota-se. Em meados de junho foi o fim da época de muitos jogadores e daqui a pouquíssimo tempo os mesmos irão voltar aos clubes para começarem a preparar a época. Esperem…há quem já o esteja a fazer – o Burnley começou a pré-época dia 6 de junho.
Depois do jogo frente à Macedónia a 19 de junho a contar para a qualificação para o Euro de 2024 e para fechar a época desportiva, Grealish falou sobre a sua intensa celebração do título da Champions e sobre o seu calendário de jogos desta época:
“I was in pre-season last year on the 11th of July. It’s now the 19th of June. I’ve been playing for nearly 12 months. So, give us a break will you?”.
Jack Grealish, após o jogo Inglaterra x Macedónia
É isto: “give us a break”.
Deixem os nossos jogadores em paz!
Pedro Brites
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