Liçõ€s de Moral
Hoje, falamos de Francisco Geraldes. Como um exemplo. Aquilo que ele representa, ou não. Aquilo que faz do médio ofensivo um jogador diferenciado, diferente, e, ao mesmo tempo, igual aos outros.
Letra. Vírgula.
Ação grandiosa e habilidosa.
Aplica-se ao projeto, e aos movimentos dentro de campo. Igualmente completam e complementam palavras e frases.
Afinal a poesia e o mundo desportivo complementam-se bastante. Exemplos? A arte do Ronaldinho via-se simplesmente com uma bola aos pés. Com Nuno Santos, é relativo. De letra? Fenomenal. A utilizar letras? De longe poeta com a sua escolha de palavras.
Repito - letras e vírgulas igualmente completam palavras e frases, certos condenados a envelhecer horrivelmente...
Vamos tocar no paradigma que é Francisco Geraldes, a eterna promessa. Primeiras impressões? Um caso especial. Um intelectual bastante autoconsciente, um criativo cheio de potencial. Reconhece a sua plataforma e a importância, que futebol e política jamais se separam por completo. Após reflexão? Mais um jogador que sofre com ‘Síndrome Jesse Lingard’ - entra no lote de jovens com ‘potencial’ apesar de estarem mais perto dos seus 30 anos (apesar de nunca ter impacto semelhante no jogo português) - e está a caminho de apenas ser mais um falso moralista no lote de futebolistas com um ego e complexo de falsa superioridade tremenda.
“É incompreensível que se aceite, por exemplo, fazer um Mundial no Qatar quando já se sabe que pessoas que, lá, morrem a trabalhar e a serem exploradas.”
Compreensível será aderir aos planos dos árabes — por exemplo, 30 eventos internacionais até 2030? O objetivo mantêm-se - sportwashing, ‘buzzword’ do futebol moderno.

“É inconcebível isso acontecer. E, lá estar, é o futebol a ceder aos interesses económicos, vendem-se clubes a fortunas incalculáveis a árabes que se sabe, de antemão, que são pessoas, alegadamente, criminosas.”
Dinheiro sujo já serve para, no ‘mínimo’, negociar, e não desmentir.
“Tudo na vida tem política inerente, não podemos nunca dissociar as coisas, claro que o futebol é um espetáculo mas se eu posso tentar mudar, ou fazer ver as pessoas, que para além do futebol há de facto muita coisa errada a acontecer e que tem de ser alterada, então eu vou fazer por isso.”
“Vou fazer por mostrar que muita coisa tem de ser alterada.”
Lamento muito, Francisco Geraldes, mas tenho dificuldades em compreender onde uma passagem pela Arábia Saudita cabe nestas atitudes e perspetivas. Nem negociações, nem assinar um contrato. Posturas fortes, integridade, ativismo — fácil quando convém, difícil em outras alturas.
“Tudo tem um sentido político”.
Aqui não errou. Mas ativismo, nunca será apenas uma tatuagem, nem um tweet, nem palavras convenientes.
“Do not judge me by my successes, judge me by how many times I fell down and got back up again.” — Nelson Mandela
Vê-se caráter verdadeiramente nos piores momentos.
Isto não é a ‘Cavadinha’, mas vou falar da lenda tatuada na coxa de Geraldes — uma das principais figuras do futebol Brasileiro nos anos 80, por questões dentro e fora de campo. A principal figura quando se pensa em futebolistas autoconscientes e sintonizados com o mundo exterior.
Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira.
O legado do Sócrates? Ignorando a magia que espalhava em campo com a sua inteligência, o ‘Magrão’ será sempre conhecido pelo forte engajamento político, pela luta por um Brasil menos desigual, e pela participação efetiva de jogadores na decisão do dia a dia dos clubes (criador do movimento ‘Democracia Corinthiana’).
O mais fácil seria ficar calado. Não ficou. Não será esquecido.
Qual será o legado de Francisco Geraldes? Uns lances interessantes no Estoril, toques delicados em Vila do Conde, uma curta passagem pela Loja Verde do Sporting Clube de Portugal como modelo, com uns tweets trocados com Diogo Sena pelo caminho.
Segue este caminho, é condenado a ter uma carreira mediana (no máximo) em termos de rendimento/potencial.
Atenção — isto não é um ‘hit-piece’ contra Francisco Geraldes. Hoje fala-se do médio ofensivo, amanhã será outro jogador na busca do dinheiro para transformar vidas, e não apenas famílias, mas gerações. Obviamente, são ofertas tentadoras, e criticar é fácil. A carreira do típico jogador é curta, e as exceções não são a regra.
Kazuyoshi Miura — 56 anos, a atuar no Oliveirense — King of Japan.
Cristiano Ronaldo — Os golos em Turim e Manchester, após celebrar os 35 anos (vamos ignorar o desfecho).
Pepe — ‘40 anos disto’ — ainda capitão e peça-chave no Porto de Sérgio Conceição.
Luka Modric — Classe personificado. Tudo dito.
São poucos, por isso (e bem) bastantes aplaudidos e celebrados.
Existem poucos casos com Enock Mwepu, mas existem. Existem (maiormente prevalente no futebol feminino atualmente) lesões para limitar potência e progressão. A vida acontece na ‘bolha’ do futebol, injustiças acontecem. Pelo esforço, sacrifício, e luta para lá chegar, merecem oportunidades para escolher o seu destino. Chegar ao topo é para os ‘1%’ e querem um salário para refletir.
O próprio Francisco Geraldes combateu as adversidades. Foram vinte anos na formação ‘leonina’, sem grandes hipóteses de conquistar o seu sonho de se tornar peça fundamental dos ‘leões’. Lesões e gestão de carreira não ajudaram. O mundo do futebol é injusto, árduo, e extremamente exigente. Nunca iremos entender a amplitude dos sacrifícios.
Karim Benzema já não consegue conquistar mais no Real Madrid, por razões diferentes, nem na seleção nacional. N’Golo Kanté sofre de lesões. Às vezes até faz sentido. Desfrutar da cultura diferente, com que se identificam mais que nós, enquanto sejam lendas em outro clube a ganhar um balúrdio.
Para Ruben Neves? O critério para convocatórias e afins da seleção nacional é questionável. Potencialmente abre caminho para regressar ao clube do seu coração no futuro. As escolhas podem surpreender, e podem, mas nem sempre estraguem carreiras/trajetórias (Oscar, Matheus Pereira). Pergunta ao Odion Ighalo.
No fim, a mensagem é esta, porque Francisco Geraldes e estas estrelas mundiais (Kanté, Benzema, Rúben Neves) não serão as últimas contratações, nem alvos, e as ambições do fundo soberano do reino da Arábia Saudita, nomeadamente, o PIF (Public Investment Fund) não vão ficar por aqui. Querem seguir o dinheiro, seja limpo ou sujo? Estejam a vontade. Para citar o leme do Sporting Clube de Portugal, o direito foi ganho com anos de esforço, dedicação e devoção.
Poupe-nos do discurso que irão em busca da glória. Menos lições. Fazer aquilo que juraste ‘nunca’, criticar e depois tentar/seguir o caminho que condenaste?
O complexo de superioridade acaba neste instante. O tal ‘Olha para o que digo, não olhes para o que faço.’
Menos.
A palavra do dia é hipocrisia — seja dos praticantes e beneficentes de ‘sportswashing’ ou das peças a aderir.
Compreensível, mas condenável.
Para fechar, deixo aqui as palavras de Miguel Rocha, e o seu trabalho original.
“Não é concebível, para mim, que uma Saudi League chegue sequer aos calcanhares de uma Premier League, contrate os jogadores que contratar. Por essa mesma razão me espanta esta quantidade de jogadores em pico de carreira que se sujeitam a jogar a nível bastante inferior ao seu.
Mas como já vimos, o dinheiro manda cada vez mais, seja em clubes europeus ou arábicos…Não sei até que ponto tal influência é possível controlar, mas, do ponto de vista do adepto, é indispensável lutarmos pela valorização da essência do futebol, seja ele onde for, onde a qualidade seja a principal característica e os adeptos e jogadores os principais “agentes” do futebol.”
Que sejam gananciosos. Que fiquem calados no momento de pregar um sermão ao povo.
Que serve para os restantes, que em contextos diferentes, sintam-se superiores aos adeptos que fazem o desporto-rei ser o que é. O desporto-rei continuará a ser com ou sem o Reino da Arábia Saudita, e Salman bin Abdulaziz Al Saud.
Kevin Fernandes
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