A Dama de Ferro de Vila do Conde
Alexandrina Cruz será, a partir 1 de julho, a primeira mulher a presidir um clube da Primeira Liga portuguesa de futebol. Será reflexo de um papel mais preponderante das mulheres no futebol português?
A 29 de maio deste ano, através de um vídeo dirigido à massa associativa do Rio Ave, António da Silva Campos anunciou que não se iria recandidatar à presidência do clube nortenho. Aos 62 anos, e depois de 15 anos à frente do emblema vila-condense, o dirigente referiu que o seu afastamento se deve, sobretudo, a motivos de saúde. Como tal, a vice-presidente do Rio Ave, Alexandrina Cruz, avançou com a candidatura à liderança do clube. Finalizado o prazo de candidaturas aos órgãos sociais dos verde-e-brancos na última quarta-feira, e havendo apenas uma lista candidata, é possível aferir que a gestora de 45 anos tornar-se-á não só na primeira mulher presidente do Rio Ave, como, também, na primeira mulher a presidir um clube da nossa Primeira Liga, já no próximo dia 1 de julho. Parte da estrutura do emblema de Vila do Conde há quase 20 anos, Alexandrina Cruz é já cara de uma das mais marcantes histórias do futebol português e da igualdade de género no desporto nacional.
A cerca de 1 mês do início do 1.º campeonato do mundo no qual a seleção feminina portuguesa participará — certamente o marco mais importante do futebol feminino luso —, esta notícia vem dar continuidade à luta por um futebol mais igual e mais justo. Num ano em que o papel das mulheres tem vindo a ser cada vez mais notório no seio do nosso futebol, é agora importante educar os adeptos. Não se avizinharão tempos fáceis para a futura presidente vila-condense, uma vez que, para conhecimento de todos, o futebol português permanece poluído, irrespirável, machista, misógino e, no final de contas, doente. Não querendo dar mais relevo do que merece, a verdade é que as redes sociais continuam infestadas de comentários repudiantes. Tal é visível em qualquer publicação que relacione mulheres e futebol. Primeiramente, o desrespeito sentido para com a seleção feminina de futebol — mais concretamente para com as declarações de Dolores Silva, em que pede o apoio dos portugueses ao longo do Mundial —, e, mais tarde, na publicação que dá a conhecer Alexandrina Cruz como futura presidente do Rio Ave. Avançar com uma candidatura para a liderança de um dos mais históricos clubes portugueses é um passo corajoso, principalmente quando se é mulher. Se já é complicado para um homem lidar com a pressão diária, muito mais complicado deverá ser para uma senhora, pois, infelizmente, tal como acontece em muitos outros postos de trabalho, é mais rapidamente alvo de críticas, especialmente sendo este ainda um mundo de homens. Ainda assim, e trazendo à baila a alcunha que deu nome a esta newsletter, a futura presidente do maior clube de Vila do Conde poderá ver em Margaret Thatcher uma inspiração. Não falo, naturalmente, do ponto de vista político, mas na forma como, numa sociedade retrógrada, conseguiu impor a sua liderança, sem nunca permitir que o facto de ser mulher a impedisse de cumprir com as suas funções.
Do pouco que se sabe ainda da futura presidente do Rio Ave, é notória, pelo menos, a sua ambição. A para já grande promessa de Alexandrina é que colocará o clube da sua terra no “lugar de destaque a que tem direito no futebol nacional”. Além das promessas que faz em relação à equipa masculina de futebol, confesso estar expectante quanto à importância e relevo que dará à equipa feminina. Não tendo conseguido assegurar a manutenção na última época, o Rio Ave arrancará a temporada 2023/2024 na 3ª divisão. Este não é cenário novo para as vila-condenses, voltando ao escalão que deixaram no fim da época 2020/2021. Será interessante ver se a formação de Vila do Conde terá capacidade de se estabelecer, nos próximos 2 anos, no patamar mais alto do futebol feminino português e de se tornar, num futuro próximo, numa potência nacional, sob influência da futura presidente. É inegável que a presença de uma mulher na liderança do clube cria alguma expectativa quanto à equipa feminina, bem como à notoriedade que o futebol praticado por mulheres poderá vir a ter.
Assim, resta apenas referir que a presença de Alexandrina Cruz no futebol português poderá ser uma lufada de ar fresco no desporto-rei a nível nacional. Poderá trazer consigo uma mudança de mentalidades, a quebra de preconceitos no que diz respeito à relação “mulheres-futebol” e um maior apoio, reconhecimento, valorização e investimento no futebol feminino português. Para isso, a mesma terá de se mostrar uma “Dama de Ferro”, tendo pulso firme e uma coragem bem maior do que aquela que os homens do futebol precisam de ter. Alexandrina Cruz representa todas as mulheres do mundo do futebol e do desporto em geral, assim como todos aqueles que, dia após dia, lutam por um mundo mais justo.
Manuel Brito Henriques
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