O Futebol como "Religião"
Os estádios tornaram-se um “santuário”, onde a divindade a quem se faz preces e a quem se louva é a equipa/clube das “nossas vidas”.
O desporto, em geral, mas mais concretamente o Futebol, permite uma expressão de paixões individuais e coletivas, que faz lembrar a função dionisíaca das festividades rituais da Antiguidade. Esta frase pode parecer complicada, até porque não fui eu que a escrevi, mas sim, o ChatGPT. No entanto, o Chat não está errado, apenas arranjou uma forma desnecessariamente rebuscada e “abrasileirada” de resumir este texto.
Porque, de facto, este jogo de massas, a que damos o nome de Futebol, quase que se tornou uma “religião”. Quando uma equipa está a perder, os adeptos acreditam em possíveis milagres que poderão dar a volta ao resultado. A necessidade de festejar em grupo e de sentir em conjunto a esperança e a deceção em comunhão com um grande público. Os estádios tornaram-se um “santuário”, onde a divindade a quem se faz preces e a quem se louva é a equipa/clube das “nossas vidas”.
A espetacularização da abertura dos jogos faz lembrar uma celebração religiosa, carregada de reverência, respeito, silêncio, com ruidosos aplausos e gritos de entusiasmo. Rituais sofisticados, com músicas e encenações das várias culturas presentes em cada país; símbolos do Futebol (bandeiras, cânticos), especialmente a taça, que funciona como um verdadeiro cálice sagrado, um Santo Graal que todos sonham, um dia, levantar. E há, com todo o respeito pela comparação, a bola, que funciona como uma espécie de hóstia que é comungada por todos.
No Futebol como na religião, tomemos a católica como referência, existem os Onze Apóstolos, (retirando Judas da equação), que são os onze jogadores, enviados para representar o país; os Santos, que tanto temos como referência, como Pelé, Cruyff, Beckenbauer, Maradona, Eusébio e tantos outros; um Papa que é o presidente da Fifa, dotado de poderes quase sagrados. Apoiado pelos Cardeais que constituem a comissão técnica responsável pelo evento. Os Bispos e os Arcebispos que são os coordenadores nacionais do Campeonato. Depois temos “a casta sacerdotal dos treinadores”, estes portadores de especial poder sacramental de escolher, confirmar e retirar jogadores, à sua vontade. Por esta altura já deu para ter uma noção da semelhança que estes dois Templos têm.

Além disso, o desporto tornou-se uma forma importante de ocupação do tempo livre. Se antigamente, se assistia aos ofícios religiosos, atualmente as pessoas reservam um pouco do seu tempo para a prática desportiva, ou para assistir a eventos desportivos. Como diria Edgar Morin, sociólogo e pensador, “O desporto em si suporta toda a sociedade” e, de facto, tem razão.
A religião era uma parte fundamental da vida na antiguidade clássica e estava também presente no desporto. Os Jogos Olímpicos da Grécia Antiga, por exemplo, eram realizados em honra aos deuses, sendo considerados eventos desportivos, além de eventos religiosos. No mês de agosto, a cidade-estado de Élide, onde se localizava Olímpia, enviava arautos pela Grécia a anunciar as tréguas sagradas para os jogos, para comemorar o festival religioso de Zeus. E nem os perigos do inimigo, em tempo de guerra, se sobrepunham à competição. A consagração dos heróis implicava uma pausa na banalidade e simplicidade do quotidiano. Era uma honra para os atletas serem selecionados para competir nos jogos e a vitória era vista como uma bênção dos deuses. Os vencedores eram coroados com uma coroa de louros e recebiam honras e privilégios das cidades de onde provinham. Atualmente, nesta Era Mediática em que vivemos, são os Media que anunciam e garantem as “tréguas” para os Jogos Olímpicos, ou de qualquer outro grande evento desportivo noutras modalidades mais populares, como por exemplo o Futebol, o desporto que mais move corações.
No século XX, a religião no desporto em Portugal assumiu diversas formas e significados. Na primeira metade do século, a prática desportiva foi vista como uma forma de desenvolver o carácter e a moralidade dos jovens, seguindo os ideais do Estado Novo, liderado por António de Oliveira Salazar. A religião católica era a religião oficial do Estado e do país e a sua influência na prática desportiva era evidente. A Igreja Católica incentivava a prática desportiva como forma de manter o corpo e a mente saudáveis (“mente sã, em corpo são”), e vários clubes desportivos foram fundados por organizações católicas, como a Juventude Católica ou a Federação das Associações de Jovens Cristãos.
Por outro lado, a religião no desporto também assumia um papel simbólico, sobretudo nas competições internacionais. O hino nacional era tocado antes dos jogos e a bandeira nacional era exibida com orgulho. Os atletas portugueses, muitas vezes, eram vistos como representantes do país e da sua cultura e a sua performance era avaliada não apenas pela sua capacidade atlética, mas também pela sua postura cívica e moral. De facto, todos estes “rituais” ficaram, até hoje, a fazer parte das cerimónias de abertura de todos os jogos internacionais de Futebol.

Além disso, a religião também pode desempenhar um papel importante no comportamento e nas relações entre os jogadores e entre as equipas. A religião pode ser uma fonte de união e solidariedade entre jogadores que compartilham as mesmas crenças, ou pode ser usada para criar uma rivalidade entre equipas com diferentes crenças religiosas de base, por exemplo, como acontece no Old Firm, o clássico do Futebol escocês, entre o Celtic Footbal Club (Católico) e o Rangers Football Club (Protestante).
Se antigamente a religiosidade estava mais presente de forma institucional, atualmente é vivida de forma mais pessoal e individualizada. No entanto, a paixão e a emoção que o desporto desperta nas pessoas continua a ser semelhante à que a religião desperta, criando uma espécie de “Fé”, neste caso, esperança, no sucesso do seu clube ou da sua equipa preferida.
E se não deixei clara, ao longo do texto, a enorme conexão entre estes dois Templos, talvez seja importante relembrar um dos episódios mais emblemáticos da história do Futebol.
México, Estádio Azteca, Mundial de 86, Quartos de Final contra a Inglaterra, Seis minutos iniciais da segunda parte, o defesa inglês Steve Hodge tentou afastar a bola, mas acabou por aliviar para dentro da área. Maradona correu, com todas as suas forças, em direção do guarda-redes Peter Shilton e, com o punho fechado e com a crença de que ia marcar, saltou e fez um chapéu por cima do adversário, que era vinte centímetros mais alto do que ele. O árbitro tunisiano Ali Bin Nasser validou o golo e o resto é história.
No final do jogo, questionado sobre se tinha marcado o golo com a mão, Maradona assim respondeu:
“Lo marqué un poco con la cabeza y un poco con la mano de Dios”.
Afonso de Oliveira e Silva
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