Chegou ao fim. O triste dia chegou. O futebol vê Andrés Iniesta dizer adeus. Despediu-se, com antecedência, e deixou-nos vazios da sua magia, e cheios daquelas que agora passarão a ser memórias felizes, em sintonia com o seu passado em Barcelona, principalmente. Com o quadragésimo aniversário sobre o seu corpo, o lendário mago espanhol finda a sua carreira com um igual número de troféus, abandonando a redondinha nos Emirados Árabes Unidos, depois de seis anos por terras longínquas de Camp Nou, onde por quase vinte anos, rendeu a seus pés jogadores, adeptos, adversários e no fundo, todo e qual mortal que ousasse duvidar da sua relação complexa com uma bola de futebol.
Hoje, o 8 de Outubro ganhou um significado diferente, um significado infinito, um significado de amor pelo jogo, responsabilidade dentro de um relvado, e um nome. Andrés Iniesta Luján. E como poderei eu, descrever Iniesta para alguns dos maiores jovens leitores que não experienciaram a sensação de encanto a cada toque que o camisola oito do Barcelona dava no esférico? Para tal, pego nas palavras de Xavi, seu companheiro de encantos no trio de Guardiola, onde Busquets cobria a retaguarda dos mágicos, onde a palavra requinte era chave para descrever qualquer um destes senhores: “Andrés é, para mim, o jogador com mais talento da história da Espanha, que eu já vi. Ele tem um talento espetacular. Se falamos sobre a pessoa, é um escândalo. Um gajo admirável em todos os sentidos.” E se Xavi Hernández o diz, quem sou eu para o desdizer?
E por onde podemos começar para que, sem a repetição habitual, relembremos Don Andrés e alguns dos momentos onde redigiu a letras de ouro o seu nome no passeio da fama do futebol? Primeiramente, a facilidade, momento esse que carregou consigo toda a sua carreira de mais de 1000 jogos, numa óbvia longevidade competitiva. A facilidade com que conseguia ler o jogo mais indecifrável possível, assumindo responsabilidades e decodificando esse cubo mágico, levando ao sucesso coletivo, ao mesmo tempo que ampliava a performance individual dos companheiros de equipa estava apenas ao alcance dos mais brilhantes atletas do desporto rei.
Da memória de grandiosidade que era Iniesta, relembramos os golos em Stamford Bridge, onde a grandiosidade do pequeno génio transportou o Barcelona para a final da Liga dos Campeões, em 2009. Após a conquista do maior troféu de clubes no mundo pela segunda vez, o espanhol voltaria a sorrir no maior degrau da Europa por mais duas ocasiões, coletando um total de quatro “orelhudas”. E mencionando a maior conquista que um clube de futebol poderá adquirir no seu palmarés, é fundamental reavivar os quatro europeus conquistados com a seleção espanhol (Sub-16, Sub-19 e por duas ocasiões com a seleção sénior). “La Fúria Roja”, como viria a ser conhecida, foi a melhor seleção que presenciei nos meus anos de vida. O domínio espanhol assombrava os adversários. O pensamento de Iniesta, Xavi, Busquets, Fàbregas, Xabi Alonso, David Silva casavam com o pragmatismo de David Villa, Fernando Torres, Pedro Rodríguez e muitos outros ilustres não referenciados. O Mundial de 2010 foi a confirmação (golo da vitória na final), e o Europeu 2012 o encerramento de seis anos de um luxo que transcendia o vulgar.
Não será fácil isolar apenas um par de momentos de uma tão ilustre carreira, portanto, querendo respeitar todas as vezes que o esférico passou pela batuta do génio, deixamos aqui alguns dos seus troféus, golos e assistências, onde a eternidade nos permite regressar atrás e observar a magia de Iniesta: 3 Mundiais de Clubes, 3 Supertaças Europeias, 4 Ligas dos Campeões, 4 Europeus (dois pelas camadas jovens), 1 Mundial, 9 Ligas espanholas, 6 Taças do Rei de Espanha, 7 Supertaças espanholas, e ainda 3 troféus aquando da passagem para o Japão (Liga, Taça e Supertaça). Mais de 1000 jogos e quase 300 contribuições para golo.
Explicar Iniesta não é tarefa fácil, ou talvez possível. Exemplificar através do habitual “este lembra-me o Iniesta” não é realizável, tal a distância qualitativa para qualquer outro jogador de futebol. Iniesta jogava como 6, 8, 10, extremo e interior. Era completo, na medida mais completa da palavra. Não existiu, nem irá, provavelmente voltar a existir outro como Iniesta, afortunadamente. Para que nunca se esqueça a “croqueta” (finta inventada por Andrés Iniesta), é necessário que ela seja utilizada, e não reinventada. Não é uma crítica nem um desejo que tal qualidade seja jamais revista nos campos de futebol. É apenas uma tentativa do miúdo que cresceu a idolatrar o Barcelona de Guardiola, onde Iniesta se destacava com um dos mais obreiros, de manter a sua memória intacta, e no fundo, guardá-la num lugar seguro.
Iniesta foi futebol, foi felicidade, foi uma relação com a bola que jamais se viu, foi Barcelona, foi Espanha, foi estratosférico. Os sentimentos secam as palavras, e as lágrimas da despedida molham a alma. Depois de correr o mundo expondo a beleza do futebol, hoje Iniesta volta a esperar que todos nós saiamos do estádio para que, descalço, tal e qual como em Camp Nou, se sente por uma última vez em plena sintonia com o que apenas ele consegue sentir, tamanha complexidade tinha esta relação. Obrigado Don Andrés, o futebol agradece-te.
João Pinto
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