Var na Liga BPI: prioridade ou capricho?
No mês de maio, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) anunciou a implementação do VAR, já em 2023/2024, na Liga BPI. Será esta uma excelente medida? Ou poderia ter sido dada prioridade a outras?
Portugal, ao longo da sua história, sempre teve um caráter pioneiro em diferentes áreas. Em tempos mais distantes, foi pioneiro na descoberta de outras terras e oceanos, e, mais tarde, na abolição da pena de morte. No futebol feminino não ficou atrás, tendo, a 12 de maio deste ano, anunciado a implementação do sistema de vídeo-arbitragem na Liga BPI, tornando-se, então, no primeiro país europeu a avançar com esta medida, seguindo os exemplos das ligas norte-americana e brasileira, até então, os 2 únicos países com VAR no principal escalão do futebol feminino.
A introdução desta tecnologia não é grande novidade no desporto feminino português. Aliás, e dando continuação ao que escrevi no primeiro parágrafo deste texto, foi o nosso país o responsável por estrear o vídeo-árbitro numa prova feminina oficial em todo o mundo, sendo que, nas finais da Taça de Portugal e Taça da Liga, bem como na Supertaça, este sistema tem já vindo a ser utilizado nas edições mais recentes. Segundo Fontelas Gomes, presidente do Conselho de Arbitragem da FPF, este representa “um grande passo para a competição, na procura de uma cada vez maior verdade desportiva, mas é igualmente um grande investimento ao nível dos recursos humanos”. Ainda que a transparência e justiça que o VAR trouxe ao futebol sejam evidentes, fica a dúvida se, nesta fase, não teria sido mais preponderante e pertinente dissipar outras questões que permitissem melhorar e evoluir o nosso futebol feminino, reduzindo as diferenças (claras) para as principais ligas europeias. As questões que acredito serem mais disruptivas no futebol feminino luso, promovendo um maior equilíbrio além-fronteiras, passam pela obrigatoriedade de uso de relvados naturais, pelo aumento do investimento financeiro feito pelos clubes e Liga, pelo aumento da visibilidade, por estádios maiores que permitam ao árbitro responsável pela tecnologia analisar de forma precisa os lances polémicos, pelo desenvolvimento e melhoria das estruturas de treino e, ainda que seja cético quanto às suas reais valências nesta fase, pela profissionalização da nossa liga.
O grande problema, nos dias de hoje, não passa pela falta de justiça desportiva no futebol feminino. Passa, sim, pelo desequilíbrio na nossa liga, onde o SL Benfica reina a seu bel-prazer, sendo o Sporting CP, o SC Braga e, até mesmo, o FC Famalicão, algumas equipas que, esporadicamente, poderão surpreender. No entanto, em fases mais avançadas da Liga dos Campeões, nem mesmo o SL Benfica se consegue impor, deixando à vista de todos que a falta de competitividade em Portugal tem repercussões a nível europeu. Por essas razões, surge a necessidade de melhorar, em primeiro lugar, o futebol praticado por cá. É essencial que, para isso, seja imposta a obrigatoriedade de campos de relva natural, os quais permitem, além de uma redução substantiva de lesões, um futebol mais fluído, já que o controlo de bola e mudanças de direção são mais fáceis de realizar, e a prática de um futebol mais agradável em condições climáticas desfavoráveis, uma vez que a absorção de água é muito mais eficaz em relvados naturais. No entanto, por necessitarem de um maior cuidado ao nível da manutenção, convém que o investimento dos clubes nesta modalidade seja maior, que haja mais apoios por parte da própria federação e, acima de tudo, que haja cada vez mais promoção, trazendo mais adeptos ao jogo. Ainda que o aumento de capacidade dos estádios seja, mais uma vez, um teste de fogo à competência dos clubes — especialmente no caso dos mais “pequenos” —, para que a introdução do vídeo-árbitro seja, efetivamente, uma mais-valia e um apoio ao trabalho do árbitro principal, é fundamental que sejam disponibilizados diversos ângulos do campo, essenciais, por exemplo, na marcação de foras-de-jogo. No que toca à profissionalização do futebol feminino português, tenho uma opinião bastante ambígua. Não sei até que ponto, neste momento, não seria algo utópico. Em primeiro lugar, exigiria, mais uma vez, um investimento atroz de clubes que pouco ou nada têm. Ainda que fomentasse a melhoria de jogo que tanto apregoo, não seriam poucos os clubes incapazes de se profissionalizar e, consequentemente, acabariam por ter de excluir a equipa feminina. Contudo, o investimento feito na introdução do VAR poderia servir para ajudar a resolver estes problemas que vejo como mais claros.
Assim, respondendo à questão presente no título, não considero um capricho, dado que o auxílio tecnológico à arbitragem é preponderante na evolução do desporto-rei, mas considero que, à semelhança do que foi feito no masculino, há outros passos primários que não estão a ser dados. A afirmação do futebol feminino em Portugal só pode ser conseguida começando por construir um pilar basilar e conciso, não dando passos maiores do que a perna.
Manuel Brito Henriques
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