Ainda se veem estrelas no Deserto da Arábia?
Uma análise às contratações de verão do mercado saudita.
A afirmação de que é com o céu limpo que se observa com maior facilidade as estrelas é uma verdade inegável. E qual o melhor lugar para presenciar esse espetáculo do que o deserto? Longe dos holofotes das cidades e das capas mediáticas da comunicação social, o deserto oferece um ambiente propício à contemplação de algumas das maiores estrelas que podemos ver. No entanto, há estrelas que já não conseguem brilhar tão intensamente como outrora. A busca pela riqueza, muitas vezes impulsionada por ilusões e expetativas irreais, pode levar a frustrações e deceções.
Mas vamos então diretos ao assunto. Como estão agora os jogadores que assinaram no último verão pelos quatro clubes sauditas detidos pelo rei da Arábia Saudita? Onde estão? Têm jogado? São decisivos? Lembra-se de todos ainda? Se não se lembra, venha daí que vamos em busca de muitos deles.
Como referido acima, vamo-nos focar nos quatro primeiros classificados da Saudi Premier League (SPL). São eles: o Al-Hilal, treinado por Jorge Jesus; o Al-Nassr, que conta com Cristiano Ronaldo e Otávio no plantel, o Al-Ahli, de Roberto Firmino e o Al-Ittihad, de Jota.
Começando de baixo para cima, vamos olhar para o Al-Ittihad Jeddah. É o atual 4º classificado da SPL e conta com estrelas como N’Golo Kante, Fabinho, Karim Benzema e Jota Filipe.
Após o despedimento de Nuno Espírito Santo em meados de novembro, Marcelo Gallardo assumiu o comando dos sauditas, e apesar de uma melhoria na classificação (de 6º para 4º), longe vai a época passada /2022/2033), onde a equipa de Jeddah venceu o campeonato (com NES no comando), o primeiro em treze temporadas.
Mas como se justifica esta queda de rendimento? O plantel conta com maior mediatismo, a qualidade aumentou, então, o que se passou? Se jogadores como Abderazzak Hamdallah (19 contribuições para golo em 19 jogos da SPL) e Romarinho (7 contribuições para golo em 21 jogos da SPL) mantêm o nível, talvez jogadores como Jota e Benzema não estejam à altura das expectativas criadas. Junta-se a isto, logicamente, o facto de que todas as equipas da SPL aumentaram o seu nível de qualidade individual e coletivo.
Não olhando com tanto detalhe a Kanté e Fabinho, que competiram em grande parte dos jogos do Al-Ittihad, vamos destacar Jota e Benzema. Jota fez apenas sete jogos em 24 possíveis, marcando por duas vezes, e nunca foi titular indiscutível. Foi a primeira estrela cadente da Arábia. O início correu bem, jogou na Taça dos Campeões Árabes e no início da SPL. Foi opção nas primeiras cinco jornadas, antes de ser cortado do plantel por NES, e ver uma transferência ruir nos últimos minutos para o Al-Etiffaq, em Dezembro. Voltou agora a alinhar pela equipa, cerca de três meses depois. A saída é iminente no verão.
Já Benzema, não tem tido a vida muito mais facilitada. Apesar de ter participado em 17 dos 24 jogos da SPL e somar já 15 contribuições para golo, o francês vê-se constantemente envolto em polémicas. Existem rumores de estar a forçar uma saída no mercado de inverno, desaparecendo da Arábia Saudita sem justificação, uma alegada má relação com o novo treinador (entretanto já desmentida) e estar ausente em bastantes jogos sem motivo claro (falhou os últimos jogos da equipa este mês). Sem querer fazer suposições erradas, é provável que Benzema, já com 36 anos, veja o fim da sua carreira mais próximo do que nunca.
Subindo uns degraus na classificação e entrando já em lugares de pódio, entregamos a medalha de bronze ao Al-Ahli Jeddah treinado (por agora) por Matthias Jaissle, um promissor treinador alemão de apenas 35 anos, vindo das escolas da Red Bull Academy. Com nomes como Édouard Mendy, Roger Ibañez, Merih Demiral, Gabri Veiga, Franck Kessié, Roberto Firmino, Riyad Mahrez e Saint-Maximin, foram gastos quase 200 milhões de euros apenas para as suas contratações. Pode também verificar-se que o Al-Ahli procura um projeto a longo prazo, devido à ainda juventude de grande parte destes jogadores, sendo que apenas Mahrez tem mais de 32 anos de idade.
Um facto que provavelmente poucos sabem é que este Al-Ahli, vencedor da SPL em 2015-16, jogava na segunda divisão da Arábia Saudita na época passada, sendo esta a época de retorno ao maior escalão do país.
Com exceção de Merih Demiral (11) e Gabri Veiga (16), todos os jogadores listados acima já levam mais de vinte aparições na SPL (24 jogos) realizados até ao momento. Respira-se bem no clube de Jeddah e com motivos para tal. O plantel tem uma média de idades jovens, abaixo dos 26 anos, apesar dos oito estrangeiros que atuam de verde e branco.
O treinador é igualmente muito jovem e foi, previamente à sua chegada à Arábia Saudita, ligado a clubes de topo na Europa. Até agora, todos os jogadores têm demonstrado um rendimento dentro do esperado. Mahrez leva 17 contribuições para golo, tendo jogado em todos os jogos da SPL, Saint-Maximin conta com 12 contribuições, Firmino soma 9 e todos são titulares regulares no conjunto Saudita. E se, no outro clube de Jeddah, as estrelas têm sido algo cadentes, no lado verde de Jeddah, o céu continua estrelado.
Entramos agora em território “luso” dentro da Arábia Saudita. O Al-Nassr, de Cristiano Ronaldo e Otávio, é treinado por Luís Castro e leva no bolso (pelo menos quase garantida) a medalha de prata. São 18 vitórias em 24 jogos e mais de 60 golos marcados para a equipa liderada pelo melhor ponta-de-lança de todos os tempos.
Acompanhados por Aymeric Laporte, Alex Telles, Brozovic, Sadio Mané e o conhecido Talisca, a dupla portuguesa pode estar satisfeita pela época que tem vindo a fazer, apesar de alguma irregularidade que lhes é apontada. Sendo a equipa com maior cobertura desportiva em Portugal, não fosse Cristiano o melhor português de sempre, não irei (provavelmente) dar-vos demasiadas novidades sobre esta equipa.
Desde a viragem do milénio, venceram a SPL por três vezes (13/14, 14/15 e 18/19), estão, por norma, entre os quatro primeiros lugares desde 2000. Não fosse Jorge Jesus, e o nono título da história poderia estar a caminho.
Cristiano Ronaldo dispensa qualquer tipo de apresentações: conta com 23 golos em 24 jogos, e é o melhor marcador da SPL. Anderson Talisca e Riyad Mahrez (Al-Ahli) têm sido os jogadores com as melhores exibições na Arábia Saudita, contando já com mais de vinte contribuições para golo. Apesar das excelentes exibições, quem talvez esteja ligeiramente aquém das expectativas é Sadio Mané que, apesar dos nove golos faturados, parece algo abaixo do esperado.
Não sendo uma equipa capaz de lutar pelos mais altos patamares europeus, como o próprio Cristiano projeta, o Al-Nassr conta com uma equipa interessante, e com muitos jogadores já mais do que estabelecidos a nível internacional. Uma equipa que, certamente, se irá desenvolver ainda mais nos anos seguintes.
Chegámos ao topo da pirâmide, à medalha de ouro e… aos recordes do Guinness. Desde 25 de setembro que o Al-Hilal de Jorge Jesus não empata ou perde. São 29 vitórias seguidas, entrando diretamente para o livro dos recordes mundiais, com a maior série vitoriosa de sempre.
E se os 90 milhões de euros mal gastos (até agora) por Neymar, que entre lesões e “outros problemas” apenas realizou cinco jogos sob o comando de Jorge Jesus, o rendimento de toda a equipa tem estado acima do esperado. O Al-Hilal caminha a passos largos para o sexto título em oitos anos, confirmando cada vez mais o estatuto de melhor equipa do reino da Arábia Saudita.
Aleksandar Mitrovic já leva 20 golos marcados na SPL (31 em todas as competições), juntando-se a Salem Al Dawsari (dez golos) e Malcom (dez golos), correspondendo a 55% dos golos dos “azuis e brancos” na SPL.
O plantel conta com nomes como Yassine Bono, guarda-redes que se transferiu no pico da carreira, após um Mundial 2022 sensacional, Kalidou Koulibaly, depois de uma experiência menos conseguida em Inglaterra, Renan Lodi, reforço de inverno, o português Rúben Neves, que escolheu os desertos da Arábia à magia de Barcelona, Milinkovic-Savic, médio ex-Lazio, Malcom, Michael, Mitrovic e Neymar, como referido acima.
Neste momento, tudo se encaminha para que Jorge Jesus consiga o 20º título da carreira, tendo já conquistado competições em três continentes diferentes. Um marco notável para o muitas vezes “underrated” treinador português. Cristiano Ronaldo e a sua turma prometem ter uma palavra a dizer no veredicto, mas Mitrovic e companhia prometem não facilitar.
João Pinto
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