Às Escuras
Após atraso nas negociações dos direitos de transmissão, a Série D começou sem a exibição de nenhum jogo da jornada de abertura.
Mais uma segunda-feira, o que significa, obviamente, mais uma Cavadinha! Hoje com um tema mais atual, curto e um pouco diferente do habitual, mas cujo debate é importantíssimo. Não há Brasileirão, treinadores portugueses nem polémicas de arbitragem: o assunto de hoje é a Série D, quarta divisão nacional do sistema de ligas do Brasil.
Vamos então fazer um guia da Série D? Não. Pelo menos não hoje. Não faria muito sentido avançar para a Quarta Divisão sem antes passar pelas duas que vêm antes. Eventualmente chegamos lá. Então, o que se aconteceu para a Série D tornar-se o assunto de hoje? Simples, caros amigos do futebol: a prova começou sem qualquer tipo de transmissão televisiva.
Exatamente. Uma prova nacional teve início e a sua jornada de abertura só pôde (e poderá, tendo em conta os jogos que ainda vão decorrer) ser vivida pelos adeptos que foram ao estádio. De resto, não há bola para ninguém. Apesar de não se tratar da elite do futebol brasileiro, tal não pode acontecer, ainda mais a ter em conta que a prova foi transmitida o ano passado. Mas o que se passou?
A transmissão televisiva da Série D
Os direitos de imagem da Série D são, exclusivamente, da CBF. O regulamento do campeonato é explícito: os clubes cedem esses direitos e, em troca, recebem benefícios financeiros — entre eles cotas pagas ao fim de cada fase da competição ou os custos de viagens e partidas, por exemplo. Com esse direito, a CBF negoceia e decide onde os jogos são transmitidos.
Os jogos da Série D em 2022 tiveram como responsável pela sua exibição a empresa InSportsTV, plataforma de streaming online que tinha contrato assinado por três épocas, até ao fim de 2024. Contudo, o que aconteceu foi que, após não agradar aos espetadores por conta de constantes falhas técnicas, a emissora acabou por romper o contrato para 2023. Assim, a quarta divisão está, até ao momento, sem um responsável oficial para a questão desde a saída dessa empresa, em abril deste ano.
E foi só a partir desse momento, a pouco menos de um mês para o início da prova, que a CBF começou a tratar dos direitos televisivos com cada um dos 64 clubes que compõem o campeonato e começar uma nova busca, então, de uma emissora para transmitir a competição.
A essa altura, tudo indica que a CBF já conseguiu, junto aos clubes, todos os direitos de televisão, sendo “só” a primeira jornada a ser perdida (já 28 jogos ocorreram sem exibição, caminho que deve ser seguido pelos quatro jogos que restam para completar a ronda de abertura). O que não se sabe exatamente é qual emissora ficará responsável por transmitir o campeonato, uma vez que a entidade fracassou ao negociar com a DAZN.
O problema
Se ao que tudo indica já há, de certa forma, um acordo com os clubes, não se poderia arranjar uma forma de não desvalorizar a prova? Se a transmissão das demais jornadas através da CBF foi já garantida, por que não permitir, por exemplo, que os próprios clubes exibissem os seus jogos nesta primeira ronda? Ideia que parece simples, mas, na verdade, foi proibida pela CBF… Sim., a CBF, mesmo sem conseguir garantir a transmissão dos primeiros confrontos da Série D, optou por não autorizar os clubes a fazê-lo de forma autónoma. Como pode uma entidade nacional de futebol não valorizar o suficiente as suas próprias equipas e competições ao ponto de deixar que tal aconteça?
Uma jornada inteira “às escuras” é o suficiente para dar início a uma série de questões: o que vai ser dos clubes que precisam, e muito, da exposição e dos benefícios financeiros provenientes das transmissões televisivas? Como pode uma divisão inferior tentar promover o seu futebol sem uma transmissão televisiva para as pessoas poderem assistir aos jogos? As equipas conseguirão atrair patrocinadores? Como fica a questão da manipulação de resultados? Só saberá exatamente o que se passa nos jogos quem for ao estádio? E os adeptos que não conseguirem ir? Não vão poder acompanhar a sua equipa de coração?
Independente do motivo que tenha levado a essa decisão, uma vez que não houve nenhum tipo de pronunciamento da CBF relativamente ao tema, a sensação que fica é que o futebol brasileiro em si está em segundo plano, o que definitivamente não pode acontecer.
Para o futebol do Brasil evoluir, é preciso que as entidades responsáveis estejam totalmente empenhadas nisso, em promover o desporto mesmo nas divisões mais baixas. Não se pode esquecer que, na Série D, existem também grandes equipas históricas, com milhares de aficionados, passagens pela Série A e até mesmo participações continentais no currículo, equipas com o seu valor que merecem ser reconhecidas e respeitadas para poder haver um desenvolvimento a todos os níveis.
O país do futebol não pode arriscar ser marcado pela não valorização do seu próprio produto, e isso passa, entre vários outros fatores, por não permitir que um campeonato nacional, com tudo o que pode significar para as suas equipas, funcionários e, acima de tudo, adeptos, comece às escuras.
Lucas Lemos
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