As Ilhas Marshall - o último país do planeta sem uma seleção nacional.
29 atóis de coral, cinco ilhas pequenas, e um sonho para honrar o lema do país; “Jepilpilin ke ejukaan”/’Realização através do esforço conjunto’.
‘O lixo de um é o tesouro de outro’, como diz o velho ditado. O suspiro de alívio no regresso das competições de clubes é sinal que aguentamos outra paragem secante e indesejada. Estamos felizes agora a desfrutar da magia da Taça de Portugal, ansiosos para outra semana de duelos intensos, porém com outro tipo de mística.
Não vos quero roubar a felicidade, nem quebrar o ritmo no desafio de acompanhar aquilo que o pináculo do futebol tem para nos oferecer (especialmente na presença da prova Rainha) mas realmente ainda há um assunto para abordar em relação ao mundo das seleções nacionais.
Existem cinco ilhas pequenas, onde desejam, manifestam, e sonham piamente com a possibilidade de participar nas paragens de Seleções que tanto dividem opiniões.
A Organização das Nações Unidas reconhece 195 países, desde Vanuatu até o Vaticano, e apenas um nunca foi representada num jogo internacional.
Esta é a história das Ilhas Marshall, o autoproclamado último país sem uma seleção nacional. Uma novela apenas prestes a iniciar. Uma batalha praticamente incomparável.
5000 quilômetros da costa nordeste da Austrália, fica o pequeno paraíso no coração do oceano Pacífico. Um refúgio, a definição de tranquilidade desde a ocupação e utilização das ilhas como uma base de testes para armas nucleares no rescaldo da Segunda Guerra Mundial, graças aos Estados Unidos da América.
Apenas cerca de 40 anos pós-guerra, a independência como nação soberana foi alcançada, e quase 40 anos depois (novamente) da vitória para os ‘marshallianos’, a missão de se afastarem das tais ligações passa pelo mundo do futebol. Vários objetivos ambiciosos foram traçados na mira dos protagonistas deste movimento crescente - e gira em torno do desporto-rei.
Estas ilhas meio desconhecidas e muito escondidas são…especiais.
Em 2018, a República das Ilhas Marshall (nome oficial das ilhas/país) aprovou a Lei da Moeda Soberana e assim tornaram o primeiro país a emitir a sua própria criptomoeda, certificá-la como moeda com curso legal - a “Soberana”.
24 das anteriormente mencionadas atóis e ilhas estão desabitadas, seja por falta de precipitação, condições básicas para sobreviver ou contaminação nuclear - incluindo o atol ‘Bikini’.
Majuro (capital das Ilhas Marshall, atol principal) é o porto de transbordo de atum mais movimentado do mundo, com 704 transbordos acumulando em cerca de 450,000 toneladas em 2015. Não esperavas esta, pois não?
E ainda existe alguma presença (também inesperada pela maioria, aposta-se facilmente) no mundo do desporto - houve representação marshallês em todas as edições dos Jogos Olímpicos desde Pequim em 2008. As suas ligações Americanas infelizmente apenas levaram beisebol e basquetebol ao topo da lista de popularidade do povo, e naturalmente desportos aquáticos vão ter e manter a sua relevância.
Mais triste - chamam ‘soccer’ ao desporto que tanto amamos como no atol Kwajalein onde existia uma base militar dos Estados Unidos, jogava-se futebol.
E o ultimo pequeno ‘a parte’…Bem-vindos ao ‘Marshall Islands Futsal League’, a nova competição principal nacional do desporto!
Este campeonato nacional conta com apenas quatro, repito, quatro equipas, e cada nome de equipa passou pela aprovação de utilizadores da plataforma/rede social…’X’. (Twitter soou tão melhor)
Estamos atualmente na primeira época oficial da competição que passa pelas mãos da Marshall Islands Soccer Federation (ou MISF). Uma federação criada em 2020, mas apenas em 2022 foram dadas passos enormes no caminho certo, com uma contratação de peso.
Entra Lloyd Owers. O primeiro ‘technical director’ da MISF, responsável pela criação das estruturas ‘base’ para o crescimento do desporto-rei pelas ilhas habitadas desde programas escolares até a criação da desejada seleção nacional.
Com 33 anos de idade, um homem humilde de Oxfordshire, Inglaterra é um de muitos talentos. Owers atuava como futebolista semiprofissional, e apenas nove anos depois, tem um mestrado como técnico e o anteriormente desejado curso UEFA de Rúben Amorim nas suas mãos. No seu dia a dia, Lloyd apenas procura transmitir o seu conhecimento para quem quiser aprender, de qualquer idade e ajudar cada projeto pessoal crescer.
Este aqui é um projeto recém-nascido muito diferente, onde participar é o desejo atual, mas competitividade é o objetivo na mente.
Primeiro emails que passaram para mensagens no WhatsApp na procura de facilitar as respostas escassas pela diferença de horários naturais, e para dar continuidade aos sessões de ‘brainstorming’ e propostas formais, um ‘saltinho’ de 13 mil quilômetros até as ilhas pela primeira vez, para ter a honra (e não apenas) de vigiar a primeira sessão organizada da federação para jovens.
Mas tudo começou com posts no blog de Owers pós-mestrado, um passatempo para publicar planos de treino, artigos e entrevistas com elementos de equipas técnicas pelo mundo - um projeto liderado por paixão. Uma entrevista com membros da Seleção Nacional de Samoa abriu muitos olhos e demorou pouco para ganhar as atenções de Shem Livai, o presidente da MISF.
O caminho de Oyers até Livai nas Ilhas Marshall foi longa, por muito inspirador que tenha sido até ao momento, porém é provável que seja mais curta que a estrada até a filiação com a Confederação de Futebol da Oceania (OFC) - a chave para disputar jogos competitivos globais, antes de eventualmente se tornar membro da FIFA.
“Não queremos apenas jogar contra países vizinhos, queremos ser partes de uma panorama maior.” afirmou Lloyd Owers em conversa com Harry Poole (BBC Sport).
“Nós queremos fazer parte das fases qualificatórias dos Mundiais. Queremos fazer parte dos Campeonatos OFC. Queremos ser parte do futebol convencional.”
Owers acredita que será possível com esta ambição e este esforço coletivo nos próximos dez anos.
Para o homem de 33 anos de idade, a oportunidade de liderar este projeto ambicioso e cimentar um legado para as próximas gerações e criar história para um país relembrar eternamente, foi irrecusável.
Este projeto pode representar algo muito maior que ‘apenas’ futebol - a coisa mais importante dos menos importantes.
As alterações climáticas representam uma ameaça imediata para as ilhas, especificamente a subida do nível do mar. Em Majuro, está em construção um estádio nacional rodeado por defesas marítimas. Lá, prevê-se que um aumento de um metro inundaria 40% dos edifícios na capital, incluindo o estádio.
Mais existe uma falta de espaço (opções realistas, no mínimo) para ‘colocar’ campos de futebol, e onde não, igualmente considera-se a continuidade das condições para existir o palco de sonhos para o futuro, no futuro.
Em janeiro de 2023, a federação lançou uma campanha ‘GoFundMe’ com o objetivo de arrecadar fundos para a aquisição dos equipamentos básicos necessários para iniciar o plano de crescimento do futebol no país, e as instalações não seriam obstáculo para a seleção nacional, pois o Estádio de Atletismo Majuro serviria um segundo propósito na sequência do seu objetivo principal - o local para os Jogos da Micronésia de 2022.
Apenas ‘jogou-se’ o jogo do adiamento. Os jogos de ‘22 passaram subsequentemente para ‘23 e agora o verão de ‘24, por condições ‘inadequadas’ para a realização do evento - enfrentou-se problemas praticamente idênticos em 2010, onde acabou na renúncia dos direitos. Desta vez, existe uma insistência e ambição superior (o lema dos projetos das ilhas).
O povo tem de viver com a realidade que até 2050, sem mudanças drásticas, vão se perder ilhas e a maioria do território marshalliano.
Existe esperança que através do futebol, a nação possa chamar mais atenção para o impacto que as alterações climáticas estão a ter.
E através da internet, atenção já chamaram para a causa.
E finalmente, o plano está a ser metido em ação, em todos os setores.
Lançou-se o primeiro equipamento, e planeia-se utilizá-lo pela primeira vez no primeiro jogo da futura seleção marshalliana até Julho/Agosto 2024.
O argentino Micael Altarimano criou o design escolhido como resultado da competição criativa com mais de 200 participantes, com azuis e laranjas vibrantes no meio de padrões e listas com anotações culturais que refletem a ligação da ilha com o oceano. O lucro (produzido utilizando plásticos recicláveis) vai se investir em ‘programas amadores, infraestruturas e instalações de formação’ para construir uma base para beneficiar a sustentação do projeto ambicioso marshalliano.
“Para nós, primeiro foi sobre ‘meter o país no mapa’. Fizemos isso com resultados brutais - ninguém sabia onde estavam as ilhas!” exclamou Oyers.
“Se olhares no Google Maps, é um ponto minúsculo - demorei 40 horas para lá chegar e aí realiza-se rapidamente o tamanho do país.”
Esta campanha tem sido um sucesso, sem dúvida. Camisolas vendidas em mais de 30 países no espaço de um ano, com cobertura de plataformas como Sky Sports, Marca e outras com um alcance enorme a sublinhar a pureza das ambições dos pequeninos da Micronésia.
Owers atualmente faz-se de olheiro. Roberto Martinez sublinha que terá um ‘Excel’ com dezenas de nomes, enquanto Owers terá de formar a sua para estabelecer uma base de jogadores competitivos na altura de finalmente entrar em campo. O plano passa por recrutar perto de ‘casa’, incluindo aqueles atuando em países vizinhos e em contextos estabelecidos - jogadores da Ilhas Salomão, Papua Nova Guiné, atualmente nas Ilhas Marshall para ajudar na missão.
As aspirações das ilhas não passam pelas conexões americanas, mas com cerca de 30k marshallianos no estado de Arkansas, a base de jogadores elegíveis aumenta de forma considerável, com ou sem força financeira com o apoio da OFC nem FIFA na batalha de chegar ao país.
Países vizinhos como Tuvalu e Kiribati são membros ‘afiliados’ do OFC, mas por falta de infraestrutura e de afiliados será difícil ultrapassar. Existem melhores conexões de transporte para as ilhas principais, e infraestrutura como hotéis nas Ilhas Marshall na ótica dos representantes do país, mas não falam com uma base de orgulho apenas.
O presente passará por duelos com países com realidades e ambições modestas, mas as aspirações dos marshallianos passam na estratosfera em comparação.
Não é apenas colocar onze caras aleatórias dentro de quatro linhas. Os resultados de uma seleção como San Marino são frutos das condições que muitos países nem terão. Orgulho em modéstia e realidade desportiva diferente existe, ignorância dos sortudos igualmente.
O povo, incluindo as crianças marshallianas querem jogar futebol. Construiu-se a base para terem oportunidades e condições como nunca para tal. Começa-se a construir uma identidade para abrir as portas para novas oportunidades, parcerias, realidades e um futuro risonho, quando em termos climáticos, talvez nenhum país tem um destino pior.
Erradicar o território será possível até ao meio do século, mas a esperança de um povo jamais.
Isto é o melhor do futebol. Futebol como catalisador para mudança positiva.
Estejam atentos - será possível ter um Ilhas Marshall x Portugal em breve..?
Kevin Fernandes
As últimas do projeto:
Os Panenka: Seleção. Apostas. Bola de Ouro. c/Matilde Pinhol
Europa à Panenka: Últimos episódios para a fase de grupos em breve!
Modo Carreira: Futuro e Gestão de Expectativas.
Spaces 78: Mais um Clássico — Análise e Polémicas.
Letra e Vírgula: Como queremos ganhar? – o dilema dos campeões
Cavadinha: Valência e Violência
Damas de Ferro: O melhor de Portugal ainda está para chegar (Mundial 2023).