Valencia e Violência.
O Racismo volta a manchar o futebol. Enner Valencia é vítima de ofensas preconceituosas após eliminação do Internacional nas meias-finais da Libertadores.
Nos últimos dias, foram disputadas as meias-finais da CONMEBOL Libertadores 2023, com as duas equipas que vão disputar o maior título da América do Sul no Maracanã a serem já conhecidas: Boca Juniors e Fluminense.
Eu podia, então, falar tranquilamente sobre os dois emocionantes jogos que decidiram qual será a final. Falar sobre a remontada do Fluminense em casa do Internacional com dois golos após aos 80’, falar sobre como o Boca eliminou o Palmeiras nos penáltis e alcançou a sua 12.ª final, falar sobre a festa dos adeptos… Sobre muita coisa.
Contudo, é impossível falar “apenas do futebol” quando este está cada vez mais manchado com episódios de violência, sobretudo o racismo, e o futebol brasileiro não é exceção. Em agosto de 2022, por exemplo, durante o “Seminário de Combate ao Racismo e à Violência no Futebol”, na sede da CBF, foi divulgado o “Relatório Anual de Discriminação Racial” referente ao ano de 2021 do futebol brasileiro, no qual, além de casos racistas, também se apresentaram múltiplas manifestações de machismo, homofobia e xenofobia. O levantamento aponta para o crescimento do número de manifestações de intolerância no desporto desde 2020. Ainda não saiu o relatório de 2022, mas na altura já se constatava que os números até agosto igualavam os valores obtidos ao longo de todo o ano de 2021.
Chegamos em 2023 e a situação continua, com os casos de violência sendo cada vez mais frequentes e públicos. Só nas últimas 24 horas (aproximadamente), por exemplo, a página oficial do Observatório da Discriminação Racial no Futebol abordou, no Twitter, quatro situações relacionadas ao racismo.

E é justamente o caso da quarta imagem (da direita na parte de baixo). Como está dito, Enner Valencia, renomeado avançado equatoriano, foi a vítima da vez de mais um episódio de intolerância no futebol.
Fluminense e Internacional protagonizaram uma das meias-finais da Libertadores e Valencia até foi um dos grandes protagonistas da campanha “colorada” até ao Final Four, com quatro golos e uma assistência em seis jogos — os três golos do apuramento frente ao Bolívar (1-0 na ida e 2-0 na volta), válido pelos quartos, foram todos assinalados pelo equatoriano.
Isto é, Valencia marcou um dos golos que permitiu ao Internacional superar o River Plate e foi claramente decisivo frente ao Bolívar, sendo um dos grandes responsáveis pela grande campanha do clube gaúcho — onde está há cerca de três meses —, sendo adorado pelos adeptos.
O futebol, contudo, apresenta cada vez mais um fenómeno estranho em que algumas pessoas pensam que, por causa deste, podem simplesmente ignorar totalmente os valores éticos e morais e atacar quem lhes apetecer: outros adeptos, adversários ou até mesmo membros da própria equipa — como foi o caso.
O fator comum entre os alvos, porém, é sempre o mesmo: minorias. Não interessa se é a estrela da equipa, se é o mais adorado ou não… nada disso importa, porque quando as coisas não correrem bem a única coisa de que vão lembrar é de que se é imigrante ou não, se é de outra religião ou não, se a sua pele é escura… é só disso que se lembram quando lhes apetece. E foi o que aconteceu com Valencia.

Imagina pensar que, só porque o seu clube foi eliminado e o atleta em questão fez um mau jogo, podemos dizer este tipo de coisas. Ofender a pessoa simplesmente pela sua cor de pele, como se isto fizesse alguma diferença. Como se não bastasse, ver um “volta para África” ser proferido a uma pessoa que, apesar de ser afrodescendente, não possui nenhuma ligação direta com o continente é totalmente ultrajante, visto que é o mais puro reflexo do ódio cego e ignorante o qual é o Racismo e todos os outros preconceitos.
Este tipo de situação não tem lugar no Mundo, muito menos no Futebol. Quer dizer, não deveria ter. Mas, como podemos ver, parece é ser uma realidade cada vez mais constante. E não adianta vir dizer que o Sul do Brasil (região do Internacional) é muito preconceituoso, que Espanha é muito preconceituosa, que lugar x ou y é melhor ou pior que outro… Nada disso importa. É um problema, uma autêntica doença, de nível GLOBAL.
Apenas nos últimos cinco/seis anos, presenciamos: o constante racismo sofrido por Vinicius Júnior em Espanha; vemos o racismo sofrido por Lukaku em Itália (sobretudo após a fina da Liga dos Campeões); Victor Osimhen sendo ofendido racialmente pelos meios de comunicação do próprio clube, o Nápoles; Sancho, Rashford e Saka ofendidos após Inglaterra ser vice-campeã da Europa; já para não falar dos caso de Renato Sanches e Moussa Marega em Portugal… A lista, infelizmente, parece não ter fim, contando com diversos países de diversos continentes.
Até quando isto? Num Mundo que estaria, em teoria, cada vez mais unido e “Globalizado”, o que se vê é, na verdade, um Mundo de ódio, de segregação, de retrocesso; um Mundo onde a cor da pele parece ser mais importante do que o brilho que se tem nos olhos; um Mundo onde até no Futebol — que deveria ser símbolo de trabalho em equipa, de união, de alegria e amor — o racismo, a xenofobia, a intolerância religiosa e todas as outras violências persistem em estragar tudo.
Ninguém nasce a odiar outra pessoa devido à cor da sua pele, ao seu passado ou religião. As pessoas aprendem a odiar, e, se o podem fazer, também podem ser ensinadas a amar.
Nelson Mandela; “Long Walk to Freedom”, 1995
Diga não à violência. É preciso a ajuda de todos para se alcançar um Mundo justo para todos, em que ninguém é mais ou menos do que o outro devido à sua cor de pele, às suas crenças, à sua sexualidade, à sua condição física ou mental nem pelo seu género. O Futebol é de todos! O Mundo é de todos! A Vida é de todos!
Lucas Lemos
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