Não se ama alguém que não ouve a mesma canção
A música e o futebol têm a capacidade de fazer-nos criar memórias coletivas. Mais do que isso, têm o poder de transportar-nos para diferentes momentos e emoções sem sairmos do nosso canto.
Junho de 2010, África do Sul. Começava mais um campeonato do Mundo. Eduardo, Ricardo Carvalho, Raul Meireles, Deco, Liedson, Nani e Cristiano Ronaldo faziam uma população inteira juntar-se para ver jogar a seleção das quinas, fosse para distribuir chocolate à Coreia do Norte ou para empatar com o Brasil – já na altura em busca do hexa - ou a Costa do Marfim de Yaya Touré e Didier Drogba.
Muitos de nós vimos estes jogos durante um intervalo na escola junto dos nossos colegas e professores. Outros reuniram-se com amigos nos cafés para serem de treinadores de bancada, fazendo-se acompanhar de uma fresquinha ou de uma coca-cola com gelo e limão. A forma de viver e assistir ao espetáculo do futebol é diferente nas várias idades. Contudo, houve uma experiência única e universal em 2010 – a música Waka Waka (This Time for Africa) de Shakira e Freshlyground.
A música e o futebol têm a capacidade de fazer-nos criar memórias coletivas. Mais do que isso, têm o poder de transportar-nos para diferentes momentos e emoções sem sairmos do nosso canto. Somos donos e senhores de uma gigantesca sala de cinema que é a nossa mente, onde podemos passar os filmes que quisermos e revê-los a qualquer momento. Apesar deste Mundial não ter corrido particularmente bem para Portugal, - fomos eliminados por um golo de David Villa aos 63 minutos nos oitavos-de-final – as boas memórias desta competição ganham maior protagonismo no imaginário português, e tudo devido a uma música.
Neste contexto, surgem também as bandas sonoras dos jogos de FIFA, as quais muitas delas, acredito, tenham até contribuído para definir em parte o gosto musical de quem passou horas a jogar com os maiores clubes europeus. Two Door Cinema Club, MGMT e Blur são algumas das bandas mais conhecidas dos últimos anos e todas tiveram alguma música da sua discografia incluída numa edição deste jogo. Os mais nostálgicos terão estas músicas compiladas numa playlist do Spotify para ouvir e suspirar por tempos que já não voltam.
Live is Life – Opus
Quando começa a ouvir “Na na na na na”, o apreciador do jogo bonito fica imediatamente a desejar (re)viver as épocas de Diego Armando Maradona no Nápoles. Numa rivalidade histórica entre o norte e o sul de Itália, o plantel do Nápoles, no tempo por que lá passou, defrontou a Juventus de Platini e o Milan de Maldini, Baresi e van Basten. Contra estes antigos astros do futebol europeu, conquistou dois scudettos, em 1987 e 1990 respetivamente, uma Coppa Italia e uma Taça UEFA em 1989. Era um feito de enorme dimensão para uma equipa oriunda do sul do país. Com um impacto desportivo e político sem igual, representaram uma região inteira contra outra manifestamente mais rica e influente.
Em abril de 1989, o Nápoles tinha viajado para Munique para defrontar o Bayern na semifinal da Taça UEFA. Durante o aquecimento, as colunas do estádio escolheram passar a Live is Life, uma música da banda Opus. Maradona, num ato de puro instinto, deixou-se levar pelo ritmo e o seu corpo começou a mover-se ao som desta canção de 1985. A ideia de dançar como se ninguém estivesse a ver foi aqui elevada ao seu expoente máximo. Mais de 30 anos depois, nascidos à data ou não, este é um momento facilmente relembrado por muitos.
O Nápoles só voltaria a viver algo assim em 22/23. A turma de Spaletti - Kvaratskhelia, Osimhen, Kim Min-jae, Lobotka, Anguissa, etc. – conquistou o título a 4 de maio num empate frente à Udinese. A festa fez-se com a devida antecedência nas ruas, mantendo viva a memória do maior ícone do futebol argentino e recordando os feitos de uma das equipas mais apaixonantes do campeonato italiano.
Oliveira Dos Cen Anos – C. Tangana
C. Tangana é um artista espanhol relativamente conhecido entre os jovens ibéricos. Através da sua música, ficamos facilmente encantados com a mestria com que adapta um género tradicional como o flamenco aos tempos modernos, adicionando-lhe q.b. de bossa nova, funk carioca e rumba, à semelhança da compatriota Rosalía com outros estilos musicais.
A propósito do centenário do Celta de Vigo - dia 23 de agosto deste mês - escreveu “Oliveira dos Cen Anos”, por momentos esquecendo de fazer jus ao título “el madrileño”, de forma a honrar as suas raízes galegas. Em versos como “Non sei se podo vivir sem ti / Pero isso éme igual / Non o quero probar / Cada vez que mires atrás / Sempre hei de estar aqui” declara amor ao clube do pai, falando num sentimento de pertença ao mesmo e à instituição que este representa.
Os mais atentos saberão que não atravessa a melhor das fases, aliás, poucas foram as épocas de glória deste clube da Galiza, essencialmente marcado por uma recorrente instabilidade. Foi preciso chegar um português, de seu nome Carlos Carvalhal, para renovar as esperanças dos adeptos e dar-lhes um projeto convincente a curto prazo a que se pudessem agarrar. Mesmo com baixas relevantes no resto da temporada – Mingueza, Iago Aspas e Gabri Veiga – garantiu permanência na La Liga com uma vitória na última jornada frente ao campeão, o FC Barcelona. É caso para dizer que foi rés-vés Campo de Ourique.
Ainda assim, Carvalhal estava desagradado com as condições que o clube lhe oferecia, rescindindo contrato pouco tempo depois. Rafa Benítez não perdeu tempo e agarrou a oportunidade, tornando-se no novo treinador do clube de Vigo. Com um mercado de transferências que fica aquém, a vinda do espanhol parece comprometida e condicionada, sendo pouco provável que os problemas da época anterior não se dissipem no tempo presente.
A lista é extensa, - daria até para fazer uma série de artigos sobre o tema – além de que todos terão as suas preferências pessoais baseadas em diversas influências e experiências de vida. Poucas coisas na vida têm a capacidade de mover massas da forma que a música e o futebol o fazem. É justamente por isso que se complementaram, complementam e complementarão sempre tão bem.
Matilde Pinhol
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