Neymar e o último passo para o abismo.
O olhar pouco estupefacto para o (provável) fim de um mito, de um "quase melhor” que, no fim desta jornada, se mostra como um “quase tudo”.
Não sou fã de astronomia. Aliás, nunca usei um telescópio à noite para ver as estrelas. Apenas em filmes e séries tive a possibilidade de ver como é assistir a uma queda de uma estrela. Não que isso me incomode, a curiosidade não é assim tanta, mas há um pequeno curioso em mim que me faz pensar em qual será a sensação de ver este espetáculo ao vivo. O movimento descendente – aos nossos olhos – de umas partículas cósmicas ou rochas lá ao longe, tão longe que apenas nos parece um brilho, um fenómeno bonito e reluzente embora, na verdade, seja uma labareda que anuncia o fim de algo. Graças a Neymar, já sei como é observar, com os meus próprios olhos, o nascimento (e consequente fim) de uma estrela cadente.
Recuemos. Voltemos ao começo, onde o meteorito ainda não orbita a Terra nem há labaredas. Apenas algo. Algo que promete crescer e incandescer e cujo final não é ainda possível de escrever.
São Paulo, 2010. Estamos no começo do mês de maio e, quem acompanha o campeonato brasileiro sabe que este é o mês para carimbar os vencedores e os vencidos da fase final dos campeonatos estaduais. No dia 2 de maio de 2010, no Pacaembu – estádio afeto ao Santos – disputava-se a segunda volta da final do campeonato Paulista: Santos x Santo André, num jogo que coroaria o Santos como vencedor do Paulista. Nesse jogo, depois de um passe artístico de Robinho, Neymar recebe a bola, finta o guarda-redes e marca o seu primeiro golo numa final, depois de, no ano de estreia pelo Santos, ter pertencido ao conjunto derrotado, nessa mesma competição, também na final. O entusiasmo e a crença de que estava ali mais uma pérola era inevitável. A qualidade técnica absurda que Neymar ia mostrando fazia imaginar até os mais céticos. E assim foi. Ainda esse ano, mais um troféu para Santos e Ney: a Copa do Brasil de 2010, com direito a golo e assistência de Neymar no somatório das duas mãos da final. No ano seguinte, a trama ganhou ainda mais forma: prémio de Rei da América e Craque do Brasileirão. Como se não bastasse, marcou um dos melhores golos da história do Brasileirão – e do futebol, merecedor do Puskas desse ano. No campeonato Paulista? Vitória da final a vingar a derrota de há 2 anos, frente ao Corinthians por 2-1, com golo decisivo de Neymar ao minuto 83. Mas ainda não estava tudo feito: nesse ano o prémio máximo da América do Sul foi conquistado, e Neymar, com um golo na final e prémio de melhor marcador da competição, levou o caneco para São Paulo.
Esta foi a rampa de lançamento de Neymar para as estrelas. No dia 1 de julho de 2013, o Barcelona recebeu oficialmente o atleta Brasileiro no seu elenco, acabando de adicionar o segundo elemento da tripla MSN à equipa – Suarez chegaria no ano seguinte. A partir daqui o asteroide virou estrela, o moço de São Paulo tornou-se a promessa para o mundo. O jovem de 21 anos entrava na etapa da sua carreira que mais o recompensaria e que o mostraria como aquilo a que ele estava destinado ser.
A sua chegada foi agridoce. Encantou a Catalunha com a sua qualidade, mas a nível coletivo, a época ficou muito aquém do que poderia ter sido. Derrota na final da Copa do Rey frente ao Real, 2º lugar no campeonato, queda nos 4ºs de final da Champions…havia muita margem para melhorar. E melhorou.
Na época seguinte, Neymar e Barcelona conquistaram todas as competições em que entraram. Venceram a Liga Espanhola, a Copa do Rey, a Liga dos Campeões e o Mundial de clubes. Neymar brilhou com um futebol mágico que fazia sorrir os deuses do futebol. Lá no Olimpo, escrevia-se uma história belíssima sobre um miúdo de São Paulo. A equipa do brasileiro, nessa época, perderia apenas 6 jogos para todas as competições. Neymar marcaria 39 golos em 52 jogos, seria o melhor marcador da Liga dos Campeões, marcaria frente ao Real, marcaria na final da Copa do Rey e marcaria frente à Juventus na final da Champions. Este seria o ponto máximo da carreira de Neymar. Não porque o que se seguiria no imediato fosse claramente pior, mas porque este nível coletivo nunca mais voltaria a ser alcançado. No ano seguinte, em 15/16, venceria novamente a Taça e a Liga – ainda venceria a Supertaça Europeia pelo meio.
Até à saída para o PSG, Neymar não voltaria a ascender ao Olimpo, como havia feito em 14/15. Venceu troféus, marcou inúmeros golos e a sua forma mágica de jogar permaneceu. Uma característica que sempre encantou quem o via jogar era a soberba com que Ney enfrentava os defesas: ao olhar de um mero adepto, Neymar parecia encarar os seus adversários como meros pinos de treino, movimentando-se com magia e uma cadência quase imaginária por entre eles. Levitava em campo, entre fintas e golos, sustentando a ideia de que se tornaria aquilo que já merecia ser considerado: uma lenda do desporto rei.
No dia 8 de março de 2017 à noite, estava a ver, o Benfica jogar na Alemanha, frente ao Dortmund, na segunda mão dos 8ºs de final da Champions League. Tentava perceber como seriam os ânimos dos meus amigos benfiquistas no dia seguinte. Mal o jogo acaba, mudo de canal para ver como havia terminado o Barcelona x PSG, tentando perceber por quantos o PSG havia ganho desta vez. Estupefacto, vejo que estava 5-1, e Neymar acabava de marcar golo. Poucos minutos depois, estava a sentir pingas de suor e a ver a maior reviravolta do futebol que tinha visto até à altura – e, nesta dimensão, até hoje.
O PSG assustou-se, mas aos 62’ do jogo acabaria por sentenciar a eliminatória com um golo de Cavani, passando a eliminatória de um 3-0 (agregado 3-4) num 3-1 (agregado 3-5) colocando o Barcelona a precisar de marcar mais 3 golos para passar, em vez de 1 para empatar a eliminatória.
E isso aconteceu.
Minuto 86:43. Neymar de livre direto numa zona quase lateral da grande área faz o 4-1. Minuto 90. De penálti, Neymar faz o 5-1. Minuto 94:34. Depois de um cruzamento milimétrico de Neymar, Sergio Roberto marco o golo que colocou este jogo no imaginário do futebol para sempre.
Depois deste jogo, Neymar, talvez o elemento mais importante para a vitória que haviam alcançado, sentiu-se na sombra de Messi. Sentiu que não lhe davam a importância devida e que ali, na companhia de Messi, seria visto para sempre como o companheiro do melhor de sempre, e não como a estrela que queria ser.
Segundo o próprio, este havia sido o momento que o fez decidir que teria de procurar o seu próprio palco. A procura levá-lo-ia para Paris, para um mundo sem outros gigantes que o ofuscassem. Nesse mesmo ano, Mbappé chegaria à capital francesa também e acabaria por se tornar no próximo “Messi” de Neymar, ocupando o espaço que o brasileiro nunca teve no Barcelona, e não haveria de ter no PSG.
O cometa que parecia estar a tornar-se numa estrela estava, no fim de contas, a incandescer e a consumir-se. Tinha brilho de labareda e não de estrela. E estava em processo de desaparecer.
A nível de seleção, Neymar quase brilhou. Em 2014, no Mundial, Neymar vinha a fazer um Mundial de sonho e aproximou os brasileiros do sonho do Mundial. A sua lesão afastou-o e – de certa forma – ao Brasil e esse “se” culminou no maior vexame da história do futebol Brasileiro – apenas comparável ao Maracanazo. Em 2018, a queda deu-se contra uma “seleção da moda”, a Bélgica e o hexa foi outra vez para a gaveta. No último mundial, com Neymar a encontrar uma equipa bastante bem composta e com o sonho do hexa (como sempre) em cima da mesa, o nível não passou do mínimo e, nos quartos de final, contra uma seleção acostumada a ser uma tomba favoritos, Neymar e a canarinha não conseguiram mais que uma eliminação em penáltis. Neymar marcou aos 105’ e a seleção croata empatou aos 116’. Para Neymar, o hexa será sempre uma possibilidade, mas apenas na vertente de adepto. Para além disso, derrotas difíceis de encarar na Copa América e um título Olímpico (que vale o que vale) são as memórias que ficam do Brasil de Neymar.
Neymar nem sempre foi um quase. Sai do Brasil como um campeão, uma promessa. Sem “quases” nem “ses”. Neymar mostrou a qualidade que apenas os que ficam na história mostram. Depois da chegada à Europa, tornou-se uma estrela em ascensão e cimentou-se na história. Mas jogar com Messi também tem coisas menos boas: se as ambições de um jogador forem de nível individual, é praticamente impossível sobressair como sendo o melhor quando se partilha o espaço com o astro argentino. E Neymar quis mais. Quis mais e ninguém o pode culpar por isso. É natural. No entanto, a escolha do PSG como projeto para lançar uma possível candidatura a melhor do mundo é, no mínimo, pecaminosa. Ir jogar para uma liga e para um clube cujas ambições internas são altamente baixas e cujo desafio de todos os anos se cinge a apenas uma competição – Champions, a mudança para Paris é quase um pedido para se estagnar na evolução enquanto jogador. E tudo piorou quando Mbappé se assumiu como a estrela número 1 em Paris. Neymar voltaria a ser o número dois, mas desta vez num clube mais fraco, numa equipa mais fraca e com uma perspetiva de futuro muito mais alarmante. A sua personalidade e a falta de disciplina fora de campo foram também decisivas para o culminar da sua estadia no PSG. Agora, aos 31 anos, muda-se para a Arábia, para disputar um campeonato longe dos holofotes. Será tratado como um deus, como sempre quis, mas um deus longe do Olimpo que ambicionava. Neymar será para sempre um “quase”. Quase melhor em Barcelona. Quase melhor em Paris. Pelo PSG, quase ganhou a Champions. Na seleção, quase empatou com a Bélgica em 2018 e quase ganhou à Croácia em 2022. Em 2021, no Maracanã, quase venceu a Copa América, mas perdeu frente à Argentina na final.
A labareda consumiu o que pouco sobrava do cometa. Este nada mais é que um brilho no céu e uma trajetória curiosa na memória de quem, naqueles breves momentos, olhou para o céu. Nós, durante anos olhámos o céu com esperança de vermos um brilho incandescente constante que desse o passo para ser algo mais que isso. Infelizmente, isso não aconteceu. E nós, de telescópio, nunca mais veremos este brilhar que, durante anos, nos prendeu a atenção, como só as grandes estrelas fazem.
Pedro Brites
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