(Neste texto incluímos Finlândia como parte da Escandinávia, para maior facilidade na leitura, apesar da mesma ser composta apenas por Noruega, Dinamarca e Suécia).
Renasceu no norte da Europa o mais recente “menino bonito” do futebol europeu. O projeto “nórdico” é cada vez mais visto como o novo trampolim para os principais palcos do futebol europeu, tal como a América do Sul. Dinamarca e Noruega lideram a corrida, com a Suécia logo atrás e a Finlândia a dar os “primeiros passos”.
Mais de três décadas após a histórica conquista do Campeonato da Europa de 1992, a Dinamarca continua a ser uma referência no futebol nórdico. Nessa campanha memorável, a seleção dinamarquesa surpreendeu o continente com um plantel liderado por nomes como Peter Schmeichel, então jogador do Manchester United, e Brian Laudrup, do Bayern de Munique. A ausência de Michael Laudrup (estrela da equipa), que recusou a convocatória por divergências com o estilo de jogo da equipa, não impediu a Dinamarca de alcançar a glória. Com um grupo em que mais de metade dos jogadores atuavam no campeonato dinamarquês, os nórdicos desafiaram todas as expectativas e sagraram-se campeões europeus.
Hoje, o futebol da região volta a estar em destaque no panorama internacional. A Escandinávia tem produzido talentos de renome, como Viktor Gyökeres, Erling Haaland e Martin Ødegaard (entre muitos outros enumerados à frente), que brilham nos maiores palcos do futebol mundial, reafirmando a crescente influência do futebol nórdico no cenário europeu.
O que mudou?
O Norte da Europa tem-se destacado como pioneiro na implementação de adaptações inovadoras para elevar os padrões de qualidade em diversas áreas. No futebol, esta tendência não é exceção, com a região a assumir um papel de vanguarda na evolução da modalidade (mediante o seu contexto).
Começando com o grande problema do norte da Europa - a sua temperatura - podemos observar que os campeonatos noruegueses e suecos são disputados de Março a Novembro (a temperatura média no inverno nestes países é maioritariamente negativa), o que não só permite que durante os meses de verão, quando o futebol europeu está parado, as audiências subam, como também permite que os jogadores não sejam expostos a condições muitas vezes desumanas, que acabam por prejudicar a sua performance a qualidade do futebol, tal como os próprios adeptos, que muitas vezes acabam por se afastar da modalidade nos meses mais frios e chuvosos.
A aposta feita pelos governos escandinavos tem como objetivo chegar a todas as idades, tendo como exemplo notório o facto dos campos de futebol estarem constantemente abertos, promovendo não só a prática do exercício físico, mas também uma maior liberdade horária para os jovens praticarem futebol. Como observado na deslocação do FC Porto a Bodo, na Noruega, grande parte dos campos de futebol são de relva sintética, e tudo isto tem uma explicação lógica. Devido às temperaturas sentidas, a relva simplesmente não tem resistência suficiente para sobreviver, o que obriga os clubes a apostarem num relvado sintético aquecido, possibilitando assim a prática da modalidade. Cada vez mais os desportos “indoor”, como o hóquei no gelo, são substituídos pelos desportos “outdoor”, como o futebol.
Como é o futebol nórdico?
O investimento no futebol nórdico não foi feito apenas ao nível das infraestruturas, mas também ao nível técnico-tático. Foram desenvolvidos modelos de aprendizagens ao nível dos melhores da Europa para treinadores, de forma a potenciar o seu crescimento e conhecimento sobre o futebol, o que se traduziu não só num maior crescimento tático passado aos jogadores desde tenra idade, como também numa mudança dentro das quatro linhas.
O futebol jogado no norte da Europa sempre foi visto como um futebol físico, direto, e sem grandes ideias trabalhadas. Atualmente, basta observar um jogo da Eliteserien (Noruega) e observamos que a realidade não podia ser mais diferente. O futebol escandinavo é agora mais técnico, com a posse de bola a ser muito mais valorizada, assemelhando-se ao futebol praticado em Itália e Espanha (especialmente na Superligaen, a primeira divisão dinamarquesa).
Projetos e jogadores
O projeto nórdico é muito simples de explicar. A aposta é feita a partir de dentro. Tomamos como exemplo o maior caso de sucesso, o Bodø/Glimt, da Noruega, equipa que já venceu históricos como a Roma ou o Porto, tendo, recentemente, vencido na ‘Pedreira’ o SC Braga. Engana-se quem acha que o projeto é baseado num investidor estrangeiro, não. O investimento externo não é permitido na Noruega, num caso semelhante à Alemanha. A aposta parte da academia de cada clube, ou de transferências entre clubes da mesma divisão, a exploração do mercado interno e a potencialização do jogador nacional são de máxima importância.
O plantel do Bodø/Glimt, que em 2017 estava na segunda divisão norueguesa, tem apenas quatro jogadores estrangeiros, sendo dois deles da Dinamarca. Mais de 80% do plantel é formado por clubes da Noruega, sendo seis deles da academia do Bodø.
No entanto, muitas vezes, os poucos jogadores estrangeiros dos plantéis escandinavos provêm não da Europa, muito menos da América do Sul (devido aos elevados valores), mas do mercado africano, onde jogadores como Victor Boniface (atualmente no Bayer Leverkusen) foram descobertos. Na altura da sua mudança para o Bodø/Glimt, Victor atuava na equipa sub-20 de um clube da terceira divisão nigeriana. É visível, por aqui, a qualidade do scouting nórdico.
Este modelo, não se podendo comparar com gigantes europeus, não tem como objetivo interno formar os jogadores para conseguir competir contra os grandes clubes europeus (pelo menos para já), mas sim formar para vender. O Modelo nórdico potencia a formação do jogador, fazendo-o crescer num contexto familiar, para depois poderem dar o salto para os grandes clubes europeus. Podemos usar nomes como Viktor Gyökeres, Morten Hjulmand, Frederik Aursnes, Rasmus Hojlund, Erling Haaland, Martin Ødegaard e Alexander Sørloth como exemplo.
Atualmente, vive-se um ataque ao mercado nórdico, sendo uma opção mais barata em relação ao mercado europeu e sul-americano para os clubes de linha média no futebol europeu. Nomes como Patrick Dorgu (contratado pelo Manchester United neste mercado de inverno), Sverre Halseth Nypan, Sebastian Nanasi (já em França), Rooney Bardaghji, Lucas Bergvall (Tottenham), Antonio Nusa (RB Leipzig), Bazoumana Touré (uma época na Suécia e já deu o salto para o Hoffenheim, com apenas 18 anos), Zeidane Inoussa, Besfort Zeneli e Noah Nartey são cada vez mais ouvidos nas notícias europeias.
O futebol nórdico veio para ficar, para crescer, potenciar talento e alimentar o futebol europeu. Mas não vai ficar por aqui, e rapidamente continuará a reinventar-se, podendo, num futuro próximo, lutar lado a lado com algumas ligas europeias. Tenham atenção.
João Pinto
As últimas do projeto:
Ótimo texto! Parabéns, malta
Excelente abordagem! Parabéns