O “Poderoso Gabi”?
Um retrato mais pessoal sobre o momento que o craque do Flamengo tem vivido e, em certa parte, sobre mim.
Agosto está quase a terminar, o que significa que estamos já a caminhar para cinco meses desta brincadeira chamada Cavadinha. Mais de 20 artigos e textos. Já expliquei um pouco sobre a estrutura do futebol brasileiro, sobre o Brasileirão, sobre a Seleção (masculina e feminina); já falei no Botafogo, na Copa do Brasil, na Libertadores, e até um Mundial fiz questão de acompanhar e partilhar a minha perceção com vocês.
Sendo honesto, ainda há muitos temas que quero e tenho planeado de abordar neste espaço. Histórias de algumas equipas, de algumas lendas ou de alguns dos grandes clássicos do Futebol do Brasil, por exemplo. Porém, hoje, decidi trazer um pouco mais de mim. O tema não sou eu, obviamente, mas é voltado a algo que faz parte da minha vida e da minha experiência no Mundo do futebol. Então, vamos lá.
Eu nasci no Brasil, mas, sendo sincero, não há muito que lá me prenda. São poucos os estereótipos ligados ao brasileiro que “refletem” em mim: não gosto de Funk e também não muito de música sertaneja; não sei sambar e não percebo muito de Samba (apesar de até o apreciar); não sou extrovertido; não sou muito de festas, nem sou grande fã do Carnaval; não sou o maior fã do calor e do verão; apesar de adorar a comida brasileira (quem não?), não costumo comer feijão com arroz/churrasco/etc com muita frequência… Acho que já deu para perceber.
Contudo, se há algo que trouxe do Brasil e sempre levarei comigo é a paixão pelo futebol, sobretudo o jogado no território verde e amarelo. Como cheguei a referir no último texto, foi a Seleção Brasileira que me fez apaixonar pela bola e, através do que os grandes craques faziam com esta, pelo futebol brasileiro. Nunca tive em casa alguém super apaixonado pelo Futebol ou por uma equipa em específico que me fizesse “herdar” esta paixão, então foi, sobretudo, sozinho que me descobri como amante desta modalidade e, no caso, do Flamengo.
De onde veio o “Rubro-Negro” na minha vida, eu não sei explicar — apesar de até ter familiares que também são flamenguistas, nunca foi nada que chegou sequer perto de ser-me imposto ou introduzido —, mas sei que, desde que o fez, passou a ser parte integral desta. Não é um aspeto que altere a minha visão do futebol (se há algo que eu não sou, é “clubista”), como espero que se note nos meus outros trabalhos. Mesmo assim, penso que não havia tema melhor para variar um pouco o registo e apresentar algo mais pessoal.
O Flamengo é uma das maiores equipas do Brasil, dispensando um pouco apresentações. Com a revelação e venda de grandes promessas como Lucas Paquetá e Vinicius Júnior, foi em 2019 que o Flamengo conseguiu montar o plantel estrelado que conhecemos hoje: juntaram-se Rodrigo Caio, Filipe Luís, Gerson e, sobretudo, o trio que marcou o futebol sul-Americano — Bruno Henrique, Giorgian de Arrascaeta e Gabriel Barbosa. Com a conquista do Brasileirão (com a melhor campanha de todos os tempos) e da Libertadores, consagrando um ano mágico e o começo de um legado, o «Flamengo de 2019» tornou-se numa referência, vendo os seus atletas tornarem-se ídolos.
E se há alguém que personificou o papel de referência foi justamente este que dá nome ao texto — Gabriel, o “Gabigol”. Com mais de 250 jogos ao serviço do «Mengão», tendo anotado 153 golos e 80 assistências, Gabi alcançou o posto de melhor marcador do Flamengo no Século XXI, de brasileiro com mais golos na história da Libertadores e várias outras marcas e conquistas que lhe valem um lugar de destaque na história do futebol da América do Sul. Como se não bastasse, o seu perfil provocador fez também com que passasse a ser um ícone do cenário nacional.



Contudo, se esses lendários últimos anos passaram, e muito, pelos pés de Gabriel Barbosa, este é, também, um dos jogadores que mais tem deixado a desejar em 2023. Numa época marcada pela perda de quatro títulos, pela dolorosa eliminação nos oitavos da Libertadores e uma distância de 15 pontos para o líder do Brasileirão, a verdade é que o ano não passa de uma sequência de desilusões, com a final da Copa o Brasil como única hipótese do Flamengo chegar a dezembro com pelo menos um troféu para comemorar.
E o Gabi, que sempre liderou o ataque flamenguista, leva números abaixo do que apresentou em todos os outros anos, principalmente quando analisamos a sua forma recente: das 35 participações que tem no ano, apenas oito (seis golos e duas assistências) foram conseguidas nos últimos 20 jogos (últimos três meses e meio). Estamos a falar de um jogador que, tendo uma média superior a 0,8 G/A (golos ou assistências) por jogo nos últimos quatro anos, leva, por agora, a pior média desde que chegou ao Flamengo: nos últimos 20 encontros, assustadores 0,4.
Então fiz um texto só para criticar a queda de rendimento do Gabriel? Não, ainda estamos a chegar à questão. Quedas de rendimento acontecem, especialmente num momento conturbado como o que o Flamengo tem vivido. O problema que tem acontecido é, no caso, em relação aos momentos fora das quatro linhas.
Desde que chegou ao Flamengo, Gabi criou uma grande ligação com o clube e, especialmente, com os adeptos. Como se viu na parte final do Brasileirão de 2021 — quando, mesmo com o Brasileirão a parecer um sonho distante, questionou «Como um time que venceu a Libertadores faltando 3 minutos vai desistir de um campeonato faltando 10 jogos para o fim?» — e também nos oitavos da Copa do Brasil de 2022 — quando, após perder o primeiro jogo para o Atlético-MG, afirmou que «Quando eles forem lá [ao Maracanã] vão conhecer o que é pressão e o que é inferno», Gabigol, mesmo em momentos de maiores dúvidas, não hesitou em desafiar a tudo e todos e impulsionar a “Nação” com a sua postura confiante. A disputa de penalidades da final da Copa do Brasil foi mais um exemplo claro do impacto que tem nos adeptos:
Contudo, este “otimismo arrogante”, por mais que seja um bom motivador, não pode ser a resposta para todas as situações, principalmente nesta que é talvez a pior desde que chegou ao clube. E isto também pode gerar atritos com os próprios adeptos: neste ano, por exemplo, já chegou a referir, após ouvir vaias ao intervalo, que «A torcida se voltou contra a gente»; em outra oportunidade, chegou a dizer que o mal ambiente vivido entre a equipa e os adeptos era culpa da imprensa — «Tem [problema] da gente com vocês da imprensa, vocês criam coisa na cabeça do torcedor, criam um clima ruim dentro do clube», concluindo ao dizer que «Os verdadeiros flamenguistas não podem acreditar» —, o que, apesar de ter recebido parcialmente apoio por parte dos adeptos, também pode ser visto como um “desviar de culpas”.
E a situação chegou ao ápice nos últimos dias, quando Gabi, mesmo no momento negativo que o Flamengo vive, anunciou uma grande festa que fará para comemorar o seu aniversário. O evento, intitulado “O Poderoso Gabi”, terá lugar na quarta-feira, dia que, para piorar ainda mais a situação, corresponderia ao duelo dos quartos de final da Libertadores — se o Flamengo se tivesse apurado.
A divulgação de uma grande celebração num período bastante negativo do clube já não soou bem aos adeptos, ser na mesma noite em que os rivais vão estar a disputar as vagas que o Flamengo deveria disputar torna a situação ainda mais dramática e, como cereja do bolo, nomear o evento como “O Poderoso Gabi” soa, no mínimo, irónico para um atleta que leva dois golos nos últimos 10 jogos.
É esta a verdadeira questão. Como se o mal desempenho (individual e coletivo) não fosse o suficiente, a postura fora dos relvados também não pode ser a mesma, principalmente quando falamos de alguém que assume a Camisola 10 e a braçadeira de capitão de um dos maiores clubes do futebol (inter)nacional. Os comentários polémicos e, especialmente, a situação da festa, passam a sugerir uma espécie de “alienamento”, de distanciamento com a realidade e o sentimentos dos adeptos, algo bastante incomum vindo de um atleta tão conectado com o Flamengo como o Gabi.
O Gabriel tem um grande prestígio no Flamengo, é inegável. Bicampeão da Libertadores, goleador e decisivo em finais, o camisola 10 do Rubro-Negro é um grande jogador, recebendo o merecido carinho dos adeptos. Contudo, esse carinho também pode (e deve) implicar numa responsabilidade a mais, sobretudo agora que é um dos capitães da equipa. O desempenho dentro de campo eventualmente melhorará; agora, a postura fora de campo é que precisa ser tão “Grandiosa” quanto um clube deste nível merece.
Lucas Lemos
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