O Santo e o Urubu: entre Milagres e Quedas
Numa final que pode ir de um milagre a um inferno, a Copa do Brasil está a ser disputada entre São Paulo e Flamengo, clubes que vivem períodos bastante conturbados.
O futebol é um universo à parte. Foge ao lógico, ao racional. É um dos únicos universos onde homens viram Deuses num dia e vilões noutro, onde gritos apaixonados transformam-se em energia, onde cores ganham vida e onde seres míticos enfrentam-se. Podemos ter “Gaviões Fiéis” contra “Galos Doidos”, “Porcos” contra “Peixes”, e, no caso da final da Copa do Brasil, até mesmo santidades podem estar envolvidas.
Saulo de Tarso, comummente conhecido como Paulo de Tarso ou São Paulo, foi um dos mais influentes escritores, teólogos e pregadores do cristianismo. São Paulo difundiu fortemente o conceito da Fé, distinguindo-se dos demais e atingindo uma influência no pensamento cristão que fez de si, possivelmente, o mais importante dentre todos os outros autores do Novo Testamento. Hoje, vê o seu nome representado na maior cidade do Brasil — e uma das maiores do Mundo —, também esta imponente face às outras.
No mundo do futebol, temos também o São Paulo. Este, apesar de homenagear a cidade e não diretamente o antigo apóstolo, parece ter recebido uma verdadeira bênção: com três conquistas da Libertadores e do Mundial de Clubes, além de vários outros títulos nacionais, o São Paulo fez do Branco, vermelho e preto o Tricolor mais conhecido do Brasil e do Mundo. Foi a equipa do Santo Paulo a oitava no mundo a conquistar dez títulos internacionais oficiais, sendo uma das instituições mais respeitadas do Mundo futebolístico. Assim como a santidade católica que coincidentemente o nomeia, o São Paulo Futebol Clube distingue-se dos outros clubes, com uma grandiosidade e respeito quase sagrados, de facto.

Isto, contudo, não basta. Se a grandiosidade que alcançou confere-lhe uma mística santa, assemelha-se com o apóstolo também enquanto vê a sua influência ficar mais presa ao passado do que ao presente. Tendo o último título conquistado há 11 anos — a Sul-Americana de 2012 —, o São Paulo já leva alguns anos sem conseguir grande relevância no cenário nacional e internacional: desde 2016, só esteve no top-4 do Brasileirão numa ocasião, além de apenas três participações na Libertadores (todas sem êxito).
Quando olhamos para a Copa do Brasil, a situação piora: para além de ser o único troféu que falta na galeria o clube paulista, o São Paulo só alcançou a final da prova numa ocasião, em 2000, quando foi derrotado pelo Cruzeiro, tendo sido eliminado nas meias-finais em outras cinco edições. Vinte e três anos depois, com mais uma campanha um tanto dececionante no Brasileirão, o São Paulo conseguiu regressar a uma final de Copa do Brasil, nesta que pode ser a oportunidade de conquistar um troféu nacional após 15 anos. Tratando-se, sobretudo, duma eventual e inédita Copa do Brasil, até mesmo o mais pessimista adepto do São Paulo, que sonha há bastante tempo com um “Milagre” que tire o clube deste período obscuro, acredita no título do Tricolor. Contudo, não nos podemos esquecer que, numa final, há duas equipas em jogo.
Nascido do racismo, o Urubu nem sempre foi a mascote do Flamengo, mas a verdade é que nenhuma outro símbolo representa o clube carioca como ele o faz. Usado pelos adeptos rivais como alusão racista à grande massa de adeptos rubro-negros que eram pobres e de descendência africana, o Urubu começou a ser “abraçado” lentamente pelos flamenguistas. Assim, tendo sido adotado como mascote em 1969, o Urubu passou de um insulto racista a um símbolo de força, resistência, representatividade e diversidade — o símbolo perfeito para uma vasta Nação.
Personificando este urubu, o Flamengo passou por anos de extremas dificuldades até conseguir, na última década, bater as suas asas e voar alto: tendo conquistado apenas um título entre 2010 e 2018 — a Copa do Brasil de 2013 —, o Rubro-Negro viveu anos de ouro entre 2019 e 2022, com a conquista de dois Campeonatos, duas Libertadores, uma Copa do Brasil e outros três títulos nesse intervalo de quatro anos. Num crescimento quase “milagroso”, tendo hoje um plantel de luxo e recursos sem igual no futebol brasileiro, a expectativa era de que o Flamengo desse início a uma dinastia no Brasil.
A verdade, porém, é que 2023 se mostrou exatamente o oposto: com contratações sem efeito, queda de rendimento de boa parte dos atletas, dois treinadores com trabalhos sem êxito e incontáveis polémicas fora das quatro linhas, incluindo quatro episódios de agressão física e verbal — entre funcionários do clube e atletas, entre os próprios atletas e até mesmo entre o vice-Presidente de Futebol do clube e um adepto —, o ano tem sido um completo desastre. Com a atual 6.ª colocação no Campeonato Brasileiro e tendo já perdido cinco outros títulos disputados na atual temporada, o Flamengo passou do céu ao inferno, vivendo o seu pior dos últimos cinco anos.
É neste cenário, «entre Milagres e Quedas» — como referi no título —, que os Flamengo e São Paulo chegam para a grande final da Copa do Brasil 2023. Um Tricolor que vê neste título não só um tabu histórico a ser quebrado, como um possível “milagre” para recuperar do período negativo em que esteve nos últimos anos, e um Rubro-Negro que deseja mais que tudo o título para evitar uma quebra ainda mais dolorosa face ao que viveu nos anos recentes. É uma final que, independente do resultado, deixará um imensurável amargor no peito de milhões de adeptos e uma grande marca no Futebol nacional em 2023.
Num troféu disputado a duas mãos, o São Paulo venceu o Flamengo por 1-0 no jogo da ida, com o golo a ser anotado pelo avançado Calleri, tendo vantagem no confronto decisivo desta grande final da Copa do Brasil. O duelo terá lugar no Estádio do Morumbi, em São Paulo, e está marcado para 24/9 (domingo) às 20h (16h de Brasília).
Lucas Lemos
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