“Saudades do que a Gente não Viveu”
Neymar, a seguir o “exemplo” de outros craques do Brasil, mostra como um histórico de lesões e problemas fora das quatro linhas pode destruir o futuro até dos melhores.
Neymar saiu lesionado do Uruguai 2-0 Brasil, duelo válido pelas eliminatórias do Campeonato do Mundo 2026. Com um longo histórico de lesões desde que chegou à Europa, a rotura em simultâneo do LCA (Ligamento Cruzado Anterior) e do menisco do joelho esquerdo fazem desta, que é a 28.ª grande lesão do astro brasileiro desde 2014, uma das piores — senão pior — da sua carreira.
Uma notícia triste, mas que perde, contudo, um pouco do seu impacto quando analisamos o já referido histórico do Neymar. Com um talento tão único quanto o seu nome, o brasileiro demonstrava-se diferente dos demais desde muito cedo. Reflexo disso foi, aos 13 anos, ter realizado treinos no Real Madrid e quase ter assinado com os Merengues, num “e se” que poderia mudar tudo. E, se com 13 encontrava-se já no radar do clube mais bem-sucedido do Mundo, Neymar apresentava-se como uma quase certeza, algo muito além de uma simples jovem promessa, não tendo demorado para corresponder.
Aos 17 estreava-se na equipa principal do Santos e aos 18 era já um dos grandes jogadores do futebol brasileiro, conquistando o Campeonato Paulista e a Copa do Brasil de 2010. Aos 19, a confirmação: mais um Campeonato Paulista, atuações de gala no Brasileirão e o prémio máximo da América do Sul, a conquista da Libertadores 2011, naquela que era a sua primeira participação na prova. Com um Prémio Puskás — isto é, o golo do ano — graças ao golaço que marcou frente ao Flamengo (minuto 02:54 do vídeo), não parecia faltar nada ao “Menino Ney”, que confirmava ser o que todos esperavam ao ser o primeiro jogador da história a figurar no top-10 da Bola de Ouro enquanto atuava na América do Sul.
Magia. Espetáculo. Alegria. Ousadia. Prodígio. Este era o Neymar. Rei do Futebol Brasileiro até 2013, quando se mudou para Barcelona e teve um início tão meteórico quanto o que teve no Santos: a contar também com uma excelente participação no título da Taça das Confederações 2013 e no Mundial de 2014 (apesar dos resultados coletivos…) a serviço da Seleção Brasileira, não tardou muito para conquistar a Catalunha e a Europa com a camisola azul e grená, com 54 golos e 25 assistências apenas nas suas duas primeiras épocas, nas quais tinha já conquistado uma La Liga e uma Liga dos Campeões, entre outros títulos.
Com o “bronze” na Bola de Ouro de 2015, o futuro do astro brasileiro parecia quase desenhado para um lugar garantido no topo — como se o título de melhor do Mundo, além de muitas outras glórias coletivas, fosse apenas questão de tempo.
Como estávamos enganados…
A carreira do Neymar teve uma reviravolta, assim como a sua ascensão, meteórica, e, com o passar dos anos, o futuro “dourado” que era uma questão de tempo passou a ser, na verdade, uma corrida contra este. O talento e o potencial seguiam maiores do que nunca, porém, o que se via na prática já não era o mesmo: entre escolhas, atitudes, polémicas e lesões, o que se via (e vê) ano após ano é um Neymar cada vez mais celebridade e menos jogador… Como chegamos a isto?
As Lesões
Nos cerca de quatro anos que teve como atleta sénior no Santos, Neymar nunca precisou de lidar com este tipo de situações. Apesar de ser um período consideravelmente inferior aos 10 ano que leva na Europa (agora na Ásia) — onde, para “piorar”, o futebol é mais intenso do que no Brasil —, não deixa de ser um registo interessante, sobretudo face ao que presenciamos atualmente.
Mesmo com um estilo de jogo mais exigente, as condições que o Neymar passou a ter na Europa, sobretudo tratando-se clubes de topo como o Barcelona e o PSG, propiciariam-no um maior cuidado e melhor gestão da sua condição física, o que claramente não aconteceu.
Contudo, vale enfatizar que, mesmo tendo sofrido lesões enquanto esteve em Barcelona, as cerca de 8 lesões que teve entre 2013 e 2016 em nada se comparam ao que começa em 2017. Num período em que troca Espanha por França em busca de mais protagonismo, Neymar enfrentou, nestes últimos 6/7 anos, cerca de 21 lesões.
Estas lesões recorrentes, que lhe valeram perder mais ou menos 111 jogos num período em que disputou 226 encontros — significando que perdeu cerca de um terço dos jogos que poderia disputar —, fizeram do quotidiano já repleto de pressão algo ainda mais pesado e agressivo, visto que ter um atleta deste nível (que implica investimentos milionários) a apresentar uma inconstância física tão grande é tudo o que um adepto menos quer para o seu clube.
Não entro em questões de se o Neymar conseguiria evitar as lesões se fosse mais “prudente” ou não, se lhe era “conveniente” ter lesões em certas alturas do ano ou não, etc, visto que não deixam de passar por especulações. Apenas o próprio Neymar sabe o quão bem cuidou ou deixou de cuidar de si. Algumas pessoas, infelizmente, têm propensão a lesões independentemente de todos os cuidados que tenham, até mesmo atletas de elite.
Assim, o que interessa é que o Neymar, sobretudo a partir de 2017, passou a ter as lesões como “companheiras” constantes, que claramente afetaram a sua condição física, tempo de jogo e capacidade de alcançar o futuro de ouro que nós adeptos tanto sonhávamos para ele.
As Polémicas
O Neymar sempre foi altamente mediatizado, como deu para perceber. Por onde quer que andasse, seguiam-no as notícias, os rumores, o dinheiro e, consequentemente, as polémicas. Assim, da mesma forma que o carinho e o apoio sem igual que recebeu desde o início da sua carreira era intenso, também o eram as críticas quando as coisas não corriam da forma que se esperavam.
E se insucessos coletivos e também as lesões, apesar de naturais no desporto, contribuíram para uma ensurdecedora pressão e onda de hate para cima de si, o que fazia fora dos relvados muitas vezes passavam a imagem de uma pessoa mais dedicada a aproveitar os luxos da célebre vida que o futebol proporcionou do que a crescer como atleta e alcançar grandes feitos.
Ainda no início da sua carreira, episódios como discussões com o treinador começavam a levantar questões ligadas ao Neymar não ser demasiado “mimado” devido ao seu talento único. Renê Simões, que em 2010 (altura dos acontecimentos) era treinador do Atlético-GO chegou a criticar a atitude do astro do Santos e referiu que «Estamos criando um monstro no futebol brasileiro!».
O estilo de vida do jovem fora das quatro linhas também dava o que falar, com penteados, vestuários, acessórios e outras compras de luxo que potencializavam o perfil de “moleque”, pouco apreciado sobretudo pelos mais “conservadores”. A sua vida amorosa também sempre deu o que falar, com um filho nascido de uma relação que nunca chegou a ser publicamente oficial e múltiplos episódios relacionados à infidelidade para com as suas parceiras ao longo dos anos, criando uma imagem negativa da “Pessoa Neymar”, impactando também na pressão em cima do “Jogador Neymar”.
Se a vida pessoal do craque já não “caía nas graças” do público, o seu estilo de jogo com fintas e jogadas criativas também lhe rendeu um perfil de “provocador”, sendo consecutivamente atingido por faltas dos defensores adversários. Deste constante cenário, em que Neymar não só começou a sofrer imensas agressões, mas também a aprender a conviver com elas (em certas situações, a tentar tirar proveito disto), surgiu também o perfil do “cavador de faltas”, “simulador”, “cai-cai” — como preferirem —, conceito que o “acompanha” desde então.
Neymar começou, assim, a não ser visto da melhor forma quer pelo que fazia dentro ou fora dos relvados, e as suas reações voltaram a piorar ainda mais a relação com os media e com os adeptos: cartões e expulsões por reclamações e confusões em jogo; desabafos polémicos nas redes sociais; discussões com adeptos; respostas e comentários “ácidos” para os media (como o inesquecível «vocês vão ter que me engolir» após a conquista do Ouro Olímpico, em 2016)… havia sempre um “episódio”.
Como se não bastasse, até as transferências foram polémicas. Sair do Barcelona, onde jogava com Messi, Suárez e outras lendas, para jogar num clube com menos relevância histórica como o PSG logo levantou a questão do interesse do Neymar pelo dinheiro, sobrepondo-se ao amor à camisola. Com o passar dos anos, mesmo com o insucesso, o crescimento recente da formação francesa (crescimento muito influenciado pelo brasileiro) e a estadia do astro em França mesmo com tantas polémicas até haviam melhorado um pouco esta visão. Contudo, tudo foi abaixo com a última transferência do brasileiro para o Al-Hilal, vista pelos adeptos como uma confirmação de que Neymar, aos 31 anos, “desistiu” de ser o melhor e que estava novamente a mover-se pelo dinheiro.


Como se pode ver, polémicas não faltavam em tudo ligado ao Neymar: as inúmeras festas mesmo em situação pandémica ou em situação de lesão, as relações amorosas, o seu estilo de jogo, os seus comentários, as discussões com treinadores ou colegas de equipa, até mesmo questões financeiras ou políticas… tudo leva a uma imagem de um Neymar que é mais celebridade do que futebolista, gerando uma reação bastante negativa por parte de uma fatia considerável dos adeptos de futebol, fortalecendo a ideia de que a imaturidade e a “boa vida” foram fatores determinantes para esta regressão numa carreira que tinha tudo para alcançar as prateleiras mais altas, mas que nunca o fez.
A saudade
O Neymar teve uma boa carreira, não se enganem. Libertadores com o Santos; Liga dos Campeões, Mundial e vários outros títulos com o Barcelona; elevou o PSG e quase os levou à inédita conquista da Europa; conquistou quase tudo com o Brasil e é o melhor marcador da história da Seleção, apesar de não ter conseguido (até agora) o tão sonhado “Hexa”… O Neymar é um grande jogador que, mesmo com todas as polémicas e todas as lesões, conseguiu marcar uma geração de aficionados com a sua magia, o seu talento.
E o problema é mesmo esse: a ver tudo o que o Neymar conseguiu mesmo com tantos problemas, o que estaria reservado para si se tivesse conseguido manter-se livre de todas estas polémicas e problemas físicos? O céu era o limite…
Entre “se’s”, o que fica é esta saudade da época em que se olhava para o Neymar e sonháva-se com tudo o que conseguiria alcançar com tamanha qualidade, a saudade de quando não víamos no Neymar uma certa “desilusão” face ao que poderia ter sido…
A saudade, como o próprio chegou a referir nas redes sociais “do que a gente não viveu”… e que, pelos vistos, jamais viveremos.
Lucas Lemos
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